sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Duas paixões



Noitinha de sexta, depois de uma semana de trabalho duro, alivio-me ouvindo duas de minhas paixões maiores, Kurt Weill e Anne Sofie Von Otter. A lindíssima mezzo soprana sueca tem um dos melhores discos que conheço, Speak Low, interpretando esta e outras canções do grande compositor e parceiro musical de Bertold Brecht nos anos 20 e primeira metade da década de 1930. Aqui, uma amostra recolhida no youtube de I'm a Stranger Here Myself. A letra já é do tempo de Weill na Broadway, após ter fugido do nazismo e se exilado nos Estados Unidos, em 1935.

domingo, 15 de agosto de 2010

As dores do tempo

Enfermeira do meu médico
(quem me dera!)
Sexta-feira, 13 de agosto, dia normal. Sem gato preto nem escadas por baixo das quais passar. Noitinha chegando e eu já em casa, recebo um telefonema de trabalho vindo das alturas. Mais não posso dizer. Mas anima. Estimula como ceva de beira de rio. A gente vai pondo querela dia após dia, até que, ôps!, o piau fisga. O lambari ainda não está na panela, mas as águas começam a se movimentar suavemente. Nem tão paradas para só dar traíras, nem tão revoltas para dar peixe nenhum. Eis, então, que resolvo enfrentar o inadiável. Os exames estão prontos desde o dia 10. Aquela coisa: urina, urina 1, PSA, uréia blá, blá, blá. Códigos e senhas postos no portal do laboratório, resultados na tela da minha boa maçãzinha; "- Não seja modesto, Sr. Pé, a máquina é um Mac parrudo que você regateou de seu tecno-vídeo-filho", buzina aqui por sobre o meu ombro esquerdo o alterego Ed. Mas vejo os números. Tudo ótimo e até mesmo um PSA de garotão. Pronto, fico feliz. Já tenho munição pra dizer pro meu prostático médico: - "Tá vendo, tô beleza. Toque retal só daqui a 20 anos. Me inclua fora desta, por favor." Mas... sempre tem um mas. Vejo um 222 na linha da dosagem de glicose e comparo com os indicadores de referência. O ponto de corte é 100. Abaixo disso, beleza. Acima, numa faixa de 100 a 125, intolerância a glicose; depois, pra cima de 126, o golpe: diabetes. Pronto, já me desabalo a googar pra saber quanto tempo de vida ainda tenho. Não faça drama, diz-me a mulher amada piedosa; meu anjo bom. Falo com meu chefe ao telefone. O cara tem estrada rodada nesses assuntos e me aquieta. "Calma, você não é diabético, você apenas está tendo uma crise de diabetes", diz ele. É como se o sinal amarelo tivesse acendido. "Mas pode ir tratando de cortar aqueles doces que nos seduzem em nossos almoços. Vamos ter refeições mais frugais", ele me põe no chão de novo. Tá bom, penso. Vou voltar ao médico e ver o diagnóstico completo. O duro de ter 55 anos é isso: o cara tem uma vitalidade intelectual no zênite, mas um ranger de ossos que já vai soando como uma engrenagem com pouca graxa. Resta o consolo da experiência. - O homem maduro é um homem experiente, diria um sábio. Sim, mas o que é a experiência senão "um carro numa noite chuvosa e escura, com os faróis virados para dentro"? - definiu amargamente o médico e memorialista mineiro Pedro Nava. Seja como for, depois que esta gripezinha chata for embora, prometo que vou cair na piscina de novo e voltar a fazer 2 mil metros. Terei pulmões de Campos do Jordão.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Camisa também perde jogo

Olympikus III, do Flamengo
O mais surpreendente no jogo Corinthians 1 X 0 Flamengo, na ensolarada tarde de domingo, no Pacaembu, não foi a esperada revanche do Timão depois do fracasso na Libertadores, por culpa do Mengão. Também não foi o recuo inexplicável do novo técnico corintiano Adilson Batista, que rapidamente trocou a ousada formação 4-3-3, aos 20 minutos do primeiro tempo, quando Dentinho se machucou, por um, na circunstância do jogo, conservador 4-4-2. Adilson entrou com mais um volante, Paulinho, que formou ao lado de Ralf, Jucilei e Elias. É verdade que este último foi mais à frente, quase jogou como meia, e fez o bonito gol, após sutil tomada de bola feita por Jucilei no vértice direito da grande área flamenguista. Elias, que costuma errar 9 entre 10 chutes de frente para o gol, desta vez acertou um belo petardo que foi morrer no canto esquerdo do goleiro Marcelo Lomba. Mas a surpresa também não esteve aí. Ela foi resumida, profeticamente, por um dos dois amigos com quem fui ao estádio. "Com essa camisa, o Flamengo veio para perder", afirmou ele quando o rubro-negro entrou em campo. Disse rubro-negro? Pois é, as melhores tradições do Clube de Regatas do bairro da Gávea empalideceram no estranho uniforme azul e amarelo com que os jogadores cariocas foram a campo. A velha garra flamenguista ficou no ônibus que trouxe a delegação. Com ela é que se poderia contar, já que o time de toque bonito faz tempo que não habita a Gávea. Com Zico nas cabines de transmissão, acima das numeradas, chamando mais atenção do que os jogadores em campo, foi como se o Corinthians estivesse enfrentado um time de camisa bizarra do interior paulista. Restaram apenas alguns lampejos do sempre bom Petkovic. O Corinthians nem teve pela frente a mística da bonita camisa do atual campeão brasileiro. Ficou mais fácil.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Salt agrada e satisfaz

Angelina Jolie é Evlyn Salt (foto Columbia Pictures)
“Salt”, com Angelina Jolie, em cartaz nos cinemas desde a última sexta-feira, num lançamento simultâneo ao dos Estados Unidos, é puro cinema de ação. Correm 1 hora e 39 minutos sem nenhum bocejo, com o espectador, ao final, já disparando o reloginho mental à espera de “Salt 2”. O roteiro de Kurt Wimmer é de todo improvável, mas não é absurdo. Estórias sobre infiltração de espiões em ambos os lados, nos Estados Unidos e na Rússia, são conhecidas. O difícil é montar um roteiro com credibilidade. Wimmer consegue. Mas, possivelmente, seria um filme menor se tivesse sido executado como o planejado inicialmente, com Tom Cruise na pele do agente infiltrado. Foi um lance de sorte, que acertou na mosca, mudar a personagem para uma mulher. Ter buscado Angelina Jolie para o papel de protagonista completa o acerto do estúdio (Sony). Seu desempenho é uma pequena jóia. Mostra por que ela é hoje a mais versátil das atrizes de Hollywood. Não apenas porque se empenhou em fazer as suas próprias cenas de risco, sem uso de dublês. Mas pela credibilidade que ela empresta aos mais absurdos encaixes do roteiro, como o de escapar de um bunker da CIA sem que seja detida, ou de se entregar ao serviço de contra-espionagem, para apenas poucos minutos depois livrar-se de algemas, guardas e abalroamentos espetaculares de carros e retomar sua rota alucinada de fuga. Embora todos saibamos que virá pela frente um happy end, “Salt” tem engenhosidade suficiente para iludir e supreender, como na revelação do mais graduado dos agentes russos infiltrados. Sabemos que a realidade frequentemente costuma ser mais dura do que a ficção. E que histórias de epiões levam, com frequência, a extermínios insolúveis e sofisticados. Espiões russos não têm nada de primarismo como o jogo de bem e mal hollywoodiano sugere. O assassinato do ex-espião russo Alexander Litvinenko, em 2006, envenenado lentamente por Polônio 210, em plena Londres,  mostra que a penumbra assustadora do submundo da espionagem pode mesmo superar, largamente, a ficção. Como, então, nos satisfazemos com as peripécias de “Salt”, mesmo alertas contra o jogo maniqueista do bem contra o mal? O desempenho convincente de Angelina Jolie potencializa a boa trama e desperta a dopamina do bem-estar que existe em todos nós. O herói em desalinho superando as barreiras da incompreensão agrada e satisfaz. 

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pastrana e Barros X Brasileirão xoxo

Pedro Barros fatura o ouro no Skateboard Park (ESPN images)

O já lendário Travis Pastrana e o promissor brasileiro Pedro Barros, de 15 anos, fecharam com medalhas de ouro a 16ª edição dos X Games, ontem, na tarde-noite de Los Angeles. Foi um belo contraste com a rodada xoxa do campeonato brasileiro e seus três clássicos medíocres: em São Paulo, Palmeiras 1 X 1 Corinthians, no Rio, Flamengo 0 X 0 Vasco e em Porto Alegre, Internacional 0 X 0 Grêmio. Em Los Angeles, a noite terminou com mais um show de Pastrana, que veio derrubando adversários no confronto direto desde as quartas de final, com transmissão ao vivo pela ESPN. Era a disputa da modalidade Speed (velocidade) & Style (estilo). Um a um, Pastrana deixou os competidores, inclusive um finalista muito técnico (Nate Adams), há muitos metros de distância. A modalidade, disseram os locutores, fora criada sob encomenda para Pastrana, mas ele mesmo ainda não a havia vencido nos anos anteriores. Antes de Pastrana, o menino brasileiro, apenas 1 ano mais velho que o impressionante (nas semifinais), mas ainda verde, Curren Caples, de só 14 anos, mostrou muita consistência, harmonia de movimentos e ousadia nos flips (rodadas com o skate colado aos pés) de 540 graus. Mesmo para um leigo como eu, a diferença entre os competidores salta aos olhos. E Pedro Barros, em seu primeiro ano de profissionalismo, chegou para ficar no mundo dos grandes nomes dos X Games, como o também lendário e brasileiro Bob Burnquist, que faturou o seu ouro na noite de sábado, na modalidade Mega Rail. Muito provavelmente, a vibração do garoto de Florianópolis poderá ser vista na edição dos X Games que a ESPN Brasil realizará em dezembro, em São Paulo. Vibração é mesmo a palavra-chave. Embora um esporte coletivo (futebol) tenha de ser visto de forma inteiramente diversa de um esporte individual (X Games), o que se pode dizer é que -- com exceção da boa atuação do Fogão em Vitória 1 X 3 Botafogo e de dois lances sensacionais do jogo Bragantino 1 X 2 Santos, em que o meio-campista Rodriguinho pegou um raro chute de sem pulo de fora da área, e do clássico carioca em que o goleiro vascaíno, Fernando Prass, fez uma sequência incrível de três defesas em chutes e cabeçada de jogadores rubro-negro -- pouca coisa foi digna de nota no Brasileirão. O clássico Corinthians e Palmeiras, provavelmente refletindo a transição de técnicos de ambos, não passará para a história do confronto como algo digno de lembrança. Mas domingo que vem, se a burocracia de meio de campo for desconvidada a entrar no gramado do Pacaembu, poderemos ter um muito interessante clássico Corinthians X Flamengo. Estarei lá.

Correções: os eventuais leitores hão de perdoar as minhas mancadas em posts anteriores. O nome correto do canadense vencedor de dois ouros é Pierre-Luc Gagnon e não Jean-Luc; e só com muita licença poética se pode dizer, como fiz, que Travis Pastrana criou o Motocross Freestyle


Veja também:
Link Nº 1
http://espnbrasil.terra.com.br/xgames/noticia/139375_AOS+15+ANOS+PEDRO+BARROS+VENCE+X+GAMES
Link Nº 2
http://espnbrasil.terra.com.br/xgames/noticia/139240_FAVORITO+NA+DISPUTA+BOB+BURNQUIST+VENCE+MEGA+RAIL#video
Link Nº 3
http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM1311160-7824-FANTASTICO+FERNANDO+PRASS+FAZ+DEFESAS+INCRIVEIS+AOS+DO+TEMPO,00.html
Link Nº 4
http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM1311148-7824-GOL+DO+SANTOS+RODRIGUINHO+PEGA+DE+PRIMEIRA+NA+ENTRADA+DA+AREA+E+MARCA+AOS+DO+TEMPO,00.html

sábado, 31 de julho de 2010

A Califórnia é (mesmo) diferente, irmão

Ítalo Penarrubia, de Sto. Andre: ouro no half amador (foto ESPN)
Embora já tenho passado da idade de trepar numa moto estilo cross e ousar saltos e piruetas, ou de surfar no seco em cima de um skate, não posso deixar de curtir as manobras radicais deste 16º X Games, transmitido pelo cabo, nos canais ESPN. Se temos um apelo a nos mover para o novo dentro de casa, como tenho por meio de meu filho mais velho, Pedro, que neste momento trabalha nas transmissões pela TV desde Los Angeles, correndo do Staples Center para o Nokia Theater e daí para a arena do Coliseum, a bizarrice vai ficando menor. Já se vai o terceiro ano em que vou aprendendo o que é flipar numa motocross freestyle ou num skate em suas várias modalides – Big Air (mega-rampa), Vert (vertical) ou Street (rua). Ainda não cheguei a pegar gosto pelos carros que disputam rallyes, mas os nomes dos talentos começam a habitar minha mente. Se na noite de abertura, quinta-feira, o nome da fera foi Travis Pastrana, na ferveção de sexta, quem deixou a marca maior foi o canadense Jean-Luc Gagnon, vencedor de dois ouros nas modalidades Vert e Best Trick (este, o de melhor salto). Os caras vão se alternando por um tempo determinado, com número pré-definido de tentativas, deslizam pelos 180º graus da rampa, mais "erram" do que acertam e, de repente, está lá – encaixam o salto e a manobra perfeitos, disparam na pontuação e fazem o pódio do ouro ao bronze. Desafiam a gravidade e vão promovendo a evolução de um esporte que, apesar de ter menos de duas décadas como evento competitivo, é um espelho da capacidade dos Estados Unidos, e em especial da Califórnia, de criar novos gostos e padrões de comportamento mundo afora. Surf, skate, motocross e bicicross são invenções californianas que ganharam corações e mentes de jovens do mundo inteiro. Mesmo sendo um evento privado, pois a marca pertence ao canal ESPN, os X Games já são um fenômeno multicultural e multinacional. Nas tábuas de classificação, destacam-se, naturalmente, californianos, americanos, canadenses, franceses, japoneses, australianos, neo-zelandeses e brasileiros também. Temos alguns ídolos globais, como Bob Burnquist, e algumas jovens promessas, como o garoto catarinense Pedro Barros, de apenas 15 anos, e Ítalo Penarrubia, ouro na categoria amador. Em dezembro, haverá uma edição dos X Games em São Paulo e certamente veremos um sambódramo paulistano bombando com mais de 30 mil pessoas na galera. O bacana desses jogos é que eles evoluíram mantendo uma essência de desafio e amizade entre atletas, própria de um tempo na  infância e adolescência em que garotos fazem da rivalidade um saudável exercício de triunfo da determinação, sem necessariamente furar a jugular do oponente. Isso a Califórnia soube explorar, empacotar e exportar para o mundo como jamais se viu. Por isso, irmão, a Califórnia é mesmo diferente, como disse a música de Lulu Santos tempos atrás.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O vôo de Travis Pastrana

http://espnbrasil.terra.com.br/xgames/noticia/138856_TRAVIS+PASTRANA+VENCE+O+SETIMO+OURO+NO+FREESTYLE+MOTOCROSS

É um pássaro? É um avião acrobático? É um OVNI? Não, é Travis Pastrana numa tarde memorável no Coliseum de Los Angeles, no 16º X-Games. Já com a medalha de ouro garantida, com um ponto à frente do jovem neozelandês Sherwood, de 18 anos, o pai do Motocross Freestyle roubou a cena. Na terceira e última série de manobras, Pastrana executou um double back flip, deixando pasmos os narradores da ESPN Brasil. Ele próprio havia prometido que não faria mais esse tipo de manobra, que equivale a um duplo salto mortal em cima da motocicleta. Mas falou mais alto o amor pelo desafio, que é o coração e também a cara dessas que poderiam ser chamadas de as Olimpíadas dos esportes radicais. A última vez que Pastrana havia participado de uma competição de Freestyle foi em 2006. Depois, preferiu outras modalidades e se concentrou em rally de automóvel, como piloto da Toyota. Mas Pastrana voltou ao Freestyle de uma forma espantosa, ontem, no primeiro dia de competições do 16º X-Games. Suas entradas em pista, como se pode ver no vídeo da ESPN (siga o link acima), já vinham carimbadas por um back flip (um mortal) definido a partir de uma minúscula (para os padrões da disputa) rampa de terra. Se fosse no futebol, a imagem com a qual comumente se poderia relacionar, como disse o finado João Saldanha sobre o ponta esquerda Joãozinho, do Cruzeiro, seria o de um drible sobre um lenço estendido. Ou seja, coisa possível apenas para super-dotados ou caras muito bons, mas com um parafuso a menos na cabeça. No caso de Pastrana, com uns parafusos a mais, tantos foram os seus tombos e reconstruções em mesas hospitalares. Numa delas, em que teve afetada a espinha dorsal, Pastrana ficou em coma por dois meses. Mas é de caras assim, que fazem o absurdamente impossível, que se quebram as barreiras nos esportes e se borram os limites entre o homem e a gravidade. Quem tiver ESPN em casa ainda poderá ver, nas noites de sexta a domingo, mais cenas improváveis desses inacreditáveis X-Games.
P.S: o brasileiro Bob Burnquist ficou, de novo este ano, atrás do australiano Jake Brown na mega-rampa do skate, mas ter visto o garoto Pedro Barros, de 15 anos, completar um de seus cinco saltos na final da Big Air já valeu a pena.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O torcedor ranheta

Toque de craque de Neymar (Folhapress)
Ao ver ontem pela TV, preferencialmente, o primeiro jogo da final da Copa do Brasil, Santos 2 X 0 Vitória, em lugar da semifinal da Libertadores, Internacional 1 X 0 São Paulo, chamaram-me a atenção as insistentes observações do ex-jogador Neto, hoje comentarista de futebol da TV Bandeirantes, sobre um pequeno grupo de torcedores ao lado da cabine de transmissão que não para de pegar no pé do jovem atacante Neymar. Não bastassem o gol refinado que ele fez, aparando o cruzamento da direita com um sutil jogo de corpo e uma leve peitada na bola que a põe no fundo do barbante, ou as jogadas desconcertantes e em velocidade pra cima dos zagueiros do Vitória, uma delas terminando em pênalti para o Santos; nada parece satisfazer um certo tipo de torcedor muito comum nos estádios. Assim como na Vila Belmiro, fui vítima de algumas dessas vozes no domingo passado, ao assistir no Pacaembu a Corinthians 3 X 1 Guarani. Ontem foi a vez de os detratores escalarem Neymar para Cristo. No domingo, aconteceu com Dentinho. Ambos são jogadores muito ligeiros e, frequentemente, um tanto preciosistas. Mas eles sabem muito bem que, no curtíssimo espaço disponível no campo, por causa das terríveis marcações, o jeito é tocar de primeira, para receber em seguida, ou buscar o inesperado, no drible fluente. Com isso, as jogadas são, cada vez mais, executadas em velocidade e é muito comum algumas serem frustradas. Vez por outra, ocorre de oferecerem o contra-ataque mortal para o adversário. Entretanto, quando se concretizam, geralmente terminam em coisa boa - gol do próprio atacante ou passe de bandeja para algum companheiro. Mas o torcedor ranheta não quer saber do inesperado. Depois que Neymar perdeu o pênalti que ele próprio cavara, as vozes reclamantes ficaram mais exaltadas. No domingo, Dentinho não teve a sorte de fazer gol e, ainda por cima, terminou expulso por um gesto espalhafatoso, que o mau juiz entendeu como tentativa de agressão. Na TV se pode ver depois a simulação grotesca do jogador do Guarani, "ferido" sem ter sido atingido. Ainda na Vila, ontem, o torcedor ranheta desatou a chamar o bom técnico Dorival Junior de burro porque substituiu Ganso por Marquinhos. Não querem nem saber as razões do técnico. Não olham que Ganso voltou de uma operação feita há pouco, no período da Copa. Nada disso. Esses caras querem mesmo é reclamar. Só que, na Vila, tiveram de engolir as vaias, depois do bonito gol de falta de Marquinhos. Eu até hoje não consigo entender esse tipo de gente. Se alguém puder me explicar, por favor, sou todo ouvidos. Mas conheço bem ao que leva o contágio desses torcedores em certos momentos propícios ao mau humor. Na história, é possível lembrar da saída de Rivellino, do Corinthians para o Fluminense ou, mais recentemente, de Kaká, do São Paulo para o Milan. O pior é que não há antídoto contra esse tipo de gente. Nem mesmo quando, no estádio, você consegue mudar de assento, como fiz no domingo passado. Sempre haverá perto de você um espírito de porco a chafurdar em ranzinzice perpétua.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Preguiça boa


A boa surpresa nesta manhã é que me dei conta por acaso de como o dia sempre pode começar melhor. Neste segundo dia de volta das férias, já um pouco atrasado para minha aula de natação, sou obrigado a me apressar. Pego o carro e ligo o rádio. Normalmente, a caixa despejaria a voz modular e levemente grave de Herodoto Barbeiro, no Jornal da Manhã da CBN. Seu bom humor matinal anima as notícias que vão se repetir ao longo de todo o dia durante os vários programas da rádio, nas vozes de outros apresentadores. Mas, desta vez, o que inunda o carro é o som do CD que havia deixado no gatilho, ao chegar em casa. Lembro-me de que estava ouvindo João Donato e seu trio, na edição da série de MPB publicada pela Folha. Muito a propósito, segue a faixa "Café com Pão". Na verdade, gostaria de tê-la postado acima, porém, como não consegui nada no Youtube, vamos com o "Lugar Comum", que é a faixa anterior do mesmo CD. Mas o que temos aqui é uma outra versão. De todo modo, ela conta tudo sobre o que eu queria dizer. É verdade que estamos na segunda quinzena de julho na grande urbe do Hemisfério Sul e a manhã é atípica. Trânsito calmo. Poucos motoqueiros ainda; mães levando filhos em cima da hora para o colégio também não há. Tampouco motoristas estressados. De sorte que em menos de 10 minutos venci os pouco mais de 6 quilômetros entre meu apartamento e a pequena academia do Muro Azul, de Moema. Nesse breve intervalo, posso repassar de novo, no doce teclado de João Donato e na sua voz bamboleante, o quanto tudo poderia ser simples na vida da gente, se tivéssemos competência para não complicar as coisas. Os acordes são suaves e a harmonia do piano com o baixo e a bateria até dão a falsa impressão de que há ordem no Caos paulistano. Fica bem mais fácil desenferrujar as juntas que o frio argentino endureceu durante as férias. Mesmo que o impiedoso professor, em sua cadeira de rodas, me peça um medley progressivo logo no segundo exercício. Agora cai a ficha de que estou de volta à rotina do trabalho e da labuta para impedir que o colesterol tome conta das coronárias. Um homem de 55 anos precisa se cuidar. Mas se cuidar ao som de João Donato, que vai me inundar a cabeça o dia todo, facilita as coisas. Salve João! Ave Donato!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mano e meus sentimentos divididos

Jogadores festejam Mano (Ig/Gazeta Press)

Fui ontem ao Pacaembu ver o jogo Corinthians 3 X 1 Guarani. Fim de tarde e início de noite muito agradáveis na capital paulista, com temperatura pela casa dos 20 / 21 graus. Estádio sempre acolhedor, com a magnética (Jorge Benjor) fluindo tranquilamente para as arquibancadas que, 50 minutos antes do jogo, não dão a impressão de que vão encher. Mas enchem: 27 mil almas, entre pagantes e não pagantes, deixam quase nenhum buraco nas arquibancadas verde, amarela e laranja; o tobogã também enche, mas as fileiras de assentos das numeradas, a R$ 100 cada, sim, mostram bem menos gente. De todo modo, é um Pacaembu a caráter para a despedida de Mano Menezes. No final, com a satisfação da vitória, a emoção toma conta do estádio. O clima de despedida, que já começara quando o time entrou em campo, por volta de 6:15 da noite, atinge o clímax. Ninguém arreda pé, o técnico Mano Menezes, inteligentemente, faz uma discreta volta olímpica. É efusivamente saudado pela torcida e, mesmo quando chega atrás do gol do Tobogã, na boca dos vestiários, tem a sensibilidade de desvencilhar-se da turba de repórteres e ir saudar a torcida que pagou os ingressos mais em conta. Definitivamente, o cara tem a chamada inteligência emocional. Estive entre os que se emocionaram; aplaudi contidamente, mas não revoguei meus sentimentos divididos com relação ao ex-técnico do Corinthians. A estatística mostra que ele é vencedor e alguns cronistas exagerados realçam que "quem dirigiu e ganhou a Batalha dos Aflitos está apto a dirigir a Seleção Brasileira", referindo-se ao jogo final da série B de 2006, quando com apenas 7 jogadores em campo, após 4 expulsões, o Grêmio ganhou por 3 X 2, precisando apenas de um empate contra o Náutico, no Recife. Dois desafios maiores, porém, de final de Libertadores, com o Grêmio em 2007, e de oitavas este ano, com o Corinthians versus Flamengo, ficaram como pedras no sapato de Mano Menezes. E é onde eu penso que ele ainda falha. Alguns chegam ao exagero de dizer que os seus times são retranqueiros. Mas vejo-os mais como excessivamente movidos a volantes. Posso dizer que poucas vezes me encantei de verdade com os jogos do Corinthians, mesmo o time sendo bastante eficiente este ano. A equipe que veio da série B e ganhou a Copa do Brasil em 2009, sim, me encantou. O período em que Ronaldo jogou bem, igualmente. Agora, vi um excesso de experimentos no meio-de-campo. No jogo de ontem, por exemplo, o Corinthians esteve mal escalado com Jucilei como primeiro volante, Elias segundo, e Paulinho terceiro, com intenção de ser meia. Não foi nem uma coisa nem outra. O que se viu foi um competente quadrado de meio-de-campo armado pelo técnico Mancini jogar compacto e ganhar as bolas, acionando o contra-ataque rápido puxado pelo bom meia-ponta Mazola, autor do gol de empate do Bugre. As expulsões de Dentinho, do Corinthians, e de Ailson, do Guarani, foram uma piada, erros clamorosos do juiz. No final, brilhou a estrela do craque emergente, Bruno Cézar, que fez os dois gols da vitória do Timão. Com tudo isso, talvez eu esteja querendo o técnico perfeito. Ele existe? É difícil aparecer um. Depende de haver estabilidade na diretoria do clube, de existirem recursos e inteligência para contratar, de se formar um grupo com bons jogadores e mais um ou outro craque. Depende de tempo para entrosar o time e de vários outros fatores. Mesmo Telê Santana, o melhor dos técnicos brasileiros em minha opinião, tinha suas manias e foi contestado. Assim, vem aí a prova de fogo de Mano Menezes na Seleção Brasileira. Que o seu bom senso e firmeza no trato público, bem como no trato de vestiários e bastidores do clube, levem-no a montar a Seleção como o público deseja ver jogar, segundo disse na coletiva de ontem. Nela, evitou a expressão futebol-arte. Mas há material humano suficiente para isso e é disso que se trata no pós-Dunga. É isso o que queremos, rumo a 2014.

domingo, 25 de julho de 2010

Que segredo tem Larissa?

Larissa e o sortudo Kubrusly

Tudo se encaminha para termos mais uma personagem do mundo midiático com seus 15 minutos de fama, no caso da paraguaia Larissa Riquelme. Hoje de noite ela irá ao Fantástico. Mas já está no Paparazzo da Globo.com. Tudo certo. Mas eu continuo intrigado com o torrencial fenômeno de imagens que desencadeou a jovem paraguaia. Não vejo a explicação apenas na plástica admirável dela. É claro que o celular entre os seios foi uma tirada muito criativa dela ou de seu patrocinador durante a Copa. O acesso àquelas belas imagens da torcedora efusiva, certamente, foi torrencial da parte dos marmanjos. Eu entre eles. Mas mesmo mulheres destilaram uma doce simpatia por ela. Então, cada vez mais, me perguntava por quê. O que me atraiu e continua atraindo em Larissa? Nem depois de meu filho Pedro ter voltado pouco impressionado com ela do Paraguai, onde a filmou na entrevista que a ESPN Brasil fez com Larissa durante a Copa,  eu me convenci. Disse-me ele que na foto ela é melhor do que ao vivo e em cores. Falando, não articula bem; os silicones fartos dão a impressão de vergá-la para frente e é muito magra - Pedro resumiu. É, pode ser. Mas a minha curiosidade continuou. Provavelmente não a assistirei hoje no Fantástico, pois pretendo ir ao Pacaembu ver o jogo do Corinthians. Entretanto, não precisarei disso para desvendar o mistério. Já o fiz. Na foto, tudo se equilibra em Larissa, bem longe da impressão de meu filho, que pode ser apenas fruto do gosto dele. E o equilíbrio dela começa ali onde eu acredito que esteja o segredo. O conjunto harmonioso formado pela boca cinzelada, pelo nariz delgado levemente arrebitado, pelos olhos negros que sugerem uma penumbra de inocência, um suave mistério de mulher que peca sem jamais perder a aura de santa, pela testa generosa, pela pele sedosa e pelo cabelo castanho farto. Tudo é harmonia. Como uma Monalisa, sua fotogenia nos transmite sempre a sensação de um rosto que traz um indelével sorriso, como a nos perguntar: "No veen que soy una niña?" Eis o ponto. Larissa terá 70 anos e, se não se acabar em descaminhos, parecerá sempre uma criança. A inocência parece fluir direto de sua alma para o seu rosto. Pena que agora as revistas de sexo vão virá-la do avesso e matar um pouco essa aura. É a vida como ela é. Buena suerte Larissa!

sábado, 24 de julho de 2010

Marx, Rosa e Eleições 2010

Sei que essas coisas andam fora de moda e eu próprio havia me prometido não falar de política por aqui. Mas o que fazer quando um texto abre fendas em sua cabeça e toca em feridas cicatrizadas, mas nunca totalmente purgadas? O artigo de Hannah Arendt sobre Rosa Luxemburgo em Homens em tempos sombrios (Cia da Letras) me faz voltar os olhos para Marx, marxistas, leninistas e, creiam-me, as eleições de 2010. Salada demais? Talvez, mas o que me chama a atenção no artigo sobre Rosa é o ponto da sua honestidade intelectual. Aprendi ali, tardiamente, mais algumas coisas sobre por que, intuitivamente, fui abandonando o trotskismo e o marxismo dos muitos anos de minha vida. Hannah Arendt relembra a tese fundamental do livro de Rosa sobre o imperialismo (Acumulação do Capital), em que ela questiona o centro da teoria de Marx de que o capitalismo, como um sistema fechado e de acumulação de capital finito, gera sua própria destruição. Rosa achava Marx o melhor entre todos, pela ousadia de suas idéias, mas nunca professou o marxismo, nem a revolução, como fé. Em sua teoria do terceiro homem, diferentemente de Marx, ela via que o capitalismo sempre poderia buscar integrar ao sistema de acumulação grupos, povos e nações vivendo sob formas pré-capitalistas, reproduzindo-se muito além dos limites previstos por Marx. Sua própria teoria, embora ousada, também era falha, mas de todo modo dá mostras da grande flexibilidade de Rosa. Uma flexibilidade que marxistas e, depois, seus filhos mais ilustres, os leninistas de todos os matizes, abominam. Fora do sistema de idéias marxista, Schumpeter deu a chave para entender por que o capitalismo se renova e a acumulação de capital continua: a teoria da destruição criativa, ou, em outras palavras, o papel da inovação na economia de mercado. Inovação para o bem ou para o mal, digo eu, modestamente. Sim, pois o que tivemos na recente crise financeira global senão o produto de uma acumulação de capital fruto da inovação extrema dos derivativos, com os swaps de créditos? Desde que o chip, o software e o algorítimo estejam por aí, não haverá limites para jovens inteligentes e impetuosos inovarem no sistema financeiro, e fora dele também. Fala-se muito na regulação de Obama nos EUA. Ok, bom que seja assim. Mas duvido que vá segurar ou prevenir novas crises no futuro. Virão de outra forma. Mas o que eu queria dizer é que a honestidade de Rosa Luxemburgo e sua fonte moral genuína de socialismo levou-a a se bater, dentro do partido social-democrata alemão (o SPD de hoje), pela idéia de que o partido tivesse um programa republicano (lembremos que antes da 1ª Guerra Mundial a Alemanha era uma monarquia), não necessariamente um “programa máximo socialista” (ainda uma lembrança: a social-democracia alemã tinha um programa mínimo e um programa máximo). Para Rosa, “a salvação era a ‘escola da vida pública, a democracia e a opinião pública mais amplas e mais ilimitadas’”, não o terror que a tudo conspurca e corrompe. Veja-se o que virou a União Soviética e como Rosa, por antecipação, estava certa. É claro que a disjuntiva dos tempos atuais não é democracia x barbárie. E que o Brasil está muito longe de formas autoritárias. O que me incomoda é essa apatia, o vamos-do-jeito-que-está-que-assim-tá-bom. E, por favor, pensar diferente por que, se temos quase uma unanimidade? Mesmo que eu não tenha ilusões quanto a programas, fica difícil escolher entre candidatos que não dizem, verdadeiramente, o que são e o que querem. Esse clima de plebiscito não me soa honesto. Melhor, então, curtir o bom Cartola: “Não vou culpar os amigos fingidos que outrora eu tive na vida/Nem vou dizer que a razão do fracasso se prende a batalhas perdidas.”

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Para mio, tuyo y nuestros corazones



Ainda sob o impacto da minha redescoberta de Mercedes Sosa, yo vengo a ofrecer esto regalo, con ella e Fito Paez. Tocante.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Crepúsculo em Paraty



Maxixe da família (Zé da Velha e Silvério Pontes)

São 6 horas da tarde e o sol teima em não morrer por trás da Serra da Boicana. Da ponta do charmoso cais de madeira da cidade, já vai alta a meio quarto de céu uma lua crescente que dá um tom prateado intenso nas águas da baía. A Leste, uma noitinha leitosa, banhada por uma cálida névoa, atrás da ilha da Bexiga, na direção da Ilha Grande, vai avançando lenta e preguiçosamente. Do lado oposto, a Oeste, o sol já deitou, mas ficam bem fortes ainda os sinais alaranjados de raios solares que teimam em iluminar o horizonte. A temperatura não poderia ser melhor nesses dias de inverno. Sei que o dia foi de muito sol e quase quente, em pleno inverno, mas não o pude aproveitar. Chegamos, vindos pela serra Cunha-Paraty, com a tarde caindo. Ainda deu tempo de pegar as nossas calóis reformadinhas, com todas as marchas agora em seus lugares, respondendo diligentemente aos comandos, e zarparmos para o cais. Sempre fazemos isso, eu e minha mulher. A temperatura beira os 20 graus. É uma sensação tão admirável que a pessoa é quem escolhe o que vai sentir. Pode correr pelo corpo um friozinho, como é o caso de Silvia, ou pode banhar uma quase tepidez de eriçar os pelos, após as boas pedaladas, como é o meu caso. À frente da crepuscular luz que alumia a Boicana, aos contrafortes da qual se abre a pequena planície em que a cidade foi construída no Tempo do Ouro, a cadeia de morros se impõe contra um céu de fim de tarde e nos convida a fazer um decalque mental. A linha do horizonte, banhada pela luz crepuscular, aparece chapada, como se não houvesse três dimensões. Pode-se recortar, mentalmente, o perfil da cadeia de morros e separá-la do céu. Embora a paisagem unitária esteja ali a sua frente, com os barcos de excursão ancorados, em primeiro plano, e o casario da cidade logo atrás, todos os elementos podem ser decupados e reunidos novamente, como numa quebra-cabeça. Barcos, casario, morros e céu. Tudo separado, ou tudo combinado na paisagem una. Para nosso regozijo ainda maior, tardaram em acender a fileira de luzes do cais, de tal forma que a intensidade da luz lunar pode inundar a baía e o brilho de Vênus ficar ainda mais intenso. Apenas alguns minutos depois, olha-se para o céu e um colar de estrelas já é visível. Tempo de ir embora e descobrir coisas. Na boa livraria da cidade, tem sempre algo para nos forçar ao gasto. Acho um CD de Zé da Velha e Silvério Pontes, com o sugestivo nome de "Tudo Dança". E compro também um CD duplo com músicas de Radamés Gnattali, executado pela Orquetra Sinfônica Petrobras, regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky. Junto com os tangos que trouxe, uma ótima combinação para os próximos dias. Choros, maxixes, sambas e tango. Tá ficando bom isso aqui.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Recuerdos de los '70



Chego de Buenos Aires, abro o CD duplo, uma antologia de Astor Piazzola que comprei, ouço "Balada para un loco" e um filme do presente e do passado começa a se desenrolar em minha mente, alternando as imagens. O presente fresco de uma avenida Callao citada no tango e recém descoberta pelo neófito, desde um longo passeio a pé entre o Museo Nacional de Bellas Artes, na avenida del Libertador, bem perto do cemitério da Recoleta, e o hotel onde estive, Ibis Congreso. Algo assim como uns 6 quilômetros em lentas passadas, andando pela majestosa calle Alvear, costeando as belas construções das embaixadas brasileira e francesa. Por trás desta, abre-se o Cerrito, que com suas largas pistas de rolamento entremeadas por generosas calçadas ajardinadas se dirigem até o referencial Obelisco cravado na esquina com a Corrientes. De novo me pergunto por que demorei tanto para ir à capital argentina. Acaso não havia me encantado Piazzola e Amelita Baltar quando os descobri, em 1974, abrindo caminho e exceções entre os meus sempre preferidos Mingus, Monk e Davis? Acaso não éramos todos uns jovens "locos", uns curtindo a impotência diante da fúria sanguinária instalada por Pinochet, depois de tocar a fronteira argentino-chilena em busca de uma insana resistência que nunca haveria de ocorrer; outros curtindo as dores de "homens em tempos sombrios" (sic Hannah Arendt) nos acordes doces e furiosos de Astor? Além da descoberta fresca de Buenos Aires, agora, e das recordações sonoras de meus 19 anos revividas pela visita, é agradável voltar com os celulóides mentais da riqueza daqueles anos, após ver no MALBA, o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, uma bela exposição do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe (1946-1989). É bom também ter podido olhar de perto o Abaporu, da Tarsila Amaral, os prelúdios dos parangolés de Helio Oiticica, os móbiles de Ligia Clark, e, no Museu Bellas Artes, a incrível coleção de quadros de Rembrandt, Goya, Manet, Monet, Gauguin, Sisley, Modigliani, Picasso e belas esculturas de Rodin. Rica é Buenos Aires, bela sua música, forte a sua cultura. Pelas próximas semanas, vou mergulhar na singeleza dos acordes de Piazzola, na bela voz de Mercedes Sosa e no lamento de Gardel. E correr o filme de minhas lembranças. Con mucho gusto.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tão perto, tão longe

Edmundo se surpreende com o Porto Madero

Cinco décadas depois, deu-me de conhecer Buenos Aires. Em férias, vim por cinco dias, aproveitando milhas que expiravam. E eis que tenho uma bela surpresa. A ignorância, talvez até uma pontinha de preconceito, me fez conhecer o mundo antes de parar por essas bandas. Venho de um pedaço do Brasil em que dois rios, o Paranaíba e o Grande, correm em paralelo formando o triângulo de meu vasto estado; mais à frente se juntam no Rio Paraná e aqui desaguam na imensidão do Prata. A cidade tem um forte sotaque Haussmaniano, sem dúvida. As grandes e largas avenidas, como a 9 de Julio, lembram de imediato a amplitude das vias parisienses criadas pelo planejador Georges-Eugène Haussmann na segunda metade do século XIX. Inúmeras construções de teto abobadado também lembram Paris. Um belo conjunto é formado pelo Teatro Colón em face do Palácio da Justiça, onde se situa a Suprema Corte argentina. O povo parece operoso e alegre (ainda não vi o lado sombrio cantado no tango), embora um pouco retraído nesses dias de intenso frio. Não poderia ser diferente. Após quatro anos, voltou a nevar nos arredores de Buenos Aires, na fria madrugada em que o Senado, trabalhando por 14 horas seguidas, aprovou o projeto de lei instituindo o casamento gay, por 33 votos contra 27. Se bem que a igreja católica tentou, na terça-feira (13) à noite, barrar o projeto, com uma imponente manifestação diante do Congresso. Um ato bem maior do que o das organizações de esquerda, na noite seguinte, em apoio ao projeto. Mas se os senadores foram até mais de 1 hora da manhã votando a lei, e a aprovaram, é porque o ânimo das ruas era favorável. "Protestas", por sinal, fazem parte da cena cotidiana bonaerense. Ora são condutores de microonibus parados; ora profissionais da área cinematográfica, incomodados pela importação de serviços, mais em conta, feitos por mão-de-obra uruguaia. Mas também se vê professores em greve. Na TV, cenas comuns de um Brasil sem "protestas" mas com um bocado de violência. Em um dos bairros da Capital, moradores em fúria incendeiam ruas e atacam delegacia de polícia onde um jovem, apenas detido no fim de semana, apareceu enforcado. Sua mãe vocaliza o sentimento materno e o protesto dos moradores: "Queremos que  os responsáveis apareçam, são covardes. Por que se escondem? Queremos Justiça." Além desse cotidiano, ao meu programa turístico importa ir para Caminito, visitar a Bombonera, ver as glórias do Boca. Na parede com fotos de todos os seus times, vemos os brasileiros Rodrigues Neto, meia clássico dos anos 70, o lateral "Baiano" e o atacante Iarley, ambos ainda em atividade no Brasil. Cai a ficha de que estamos mais próximos do que pensamos. Em décadas diferentes, dependendo da "força" da moeda de cada um, hordas de argentinos e de brasileiros se movem de lá para cá e daqui para lá. Agora é a nossa vez com o real forte. Há uma chusma infindável de patrícios por aqui. Com o real a 1 por 2 pesos, tudo fica mais fácil. Mas melhor fariam as elites políticas dos dois lados se buscassem uma maior convergência macro e microeconômica. Uma só moeda no Mercosul, como o Euro, mas sem os equívocos fiscais da União Européia, que estão na base da crise atual, seria uma ótima idéia. Pena que a força centrífuga no Mercosul esteja, no momento, mais forte.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Palpite infeliz


Lição de Anatomia (Rembrandt - 1632)

A Espanha levou o Caneco em 2010 e o apostador deste blog ficou com as calças na mão. Apostou na Alemanha e fez um hedge cravando fichas na Holanda. A Nova Laranja Mecânica resolveu repetir a Alemanha, não jogou nada contra a Fúria e foi cozinhada até o último quarto da partida, na prorrogação, quando levou o golpe de misericórdia desferido por Iniesta. A Holanda queria ter procedido a uma lição de Anatomia, como a do óleo de Rembrandt, de 1632, bateu sem dó diante de um juiz atarantado, mas no final ficou novamente, pela terceira vez, na fila. Três finais de Copa do Mundo, três vices. Para o blogueiro, ficou a lição: futebol não é ciência, não pode ser dissecado com golpes de lógica, apenas. Futebol é competência atlética + psicologia + loteria. Se tem habilidade individual e coordenação tática juntos, vira arte. A Espanha teve um pouco de tudo isso, mas não brilhou como há dois anos, na Copa da Europa, em que também ficou com o título. Agora, contou com o apagão do jovem time de Joachim Löw na semifinal e, antes, nas quartas, com o infortúnio do paraguaio Cardozo, que jogou a bola nas mãos do goleiro Casillas, ao bater uma penalidade já para o fim da partida. De todo modo, mereceu a Espanha, que finalmente entrou para o Clube dos Campeões mundiais. Que venha 2014, no Rio e alhures, porque São Paulo bate cabeça e não sabe sequer se terá estádio para a abertura do torneio. Agora á aguardar. E vamos voltar aos clubes, porque a paixão pela pelota não pode parar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Três motivos para apostar na Holanda

Banquete do Casamento Camponês - 1568

Ainda bem que fiz meu hedge, apostando na Holanda. A Espanha de ontem foi a Espanha campeã da última Eurocopa e a Alemanha, infelizmente, voltou a ser a Alemanha, apenas semifinalista, da derradeira Copa do Mundo. Talvez a falta do jovem atrevido, Müller, tenha prejudicado o time. Talvez a surpresa com sua própria trajetória tenha vergado o time em sua hora H. Ou talvez o técnico Joachim Löw tenha cometido um erro na armação da equipe. Nunca se vai saber. Mas o que se sabe é que a Espanha veio com o apetite necessário. Espanha que soube superar, ao longo da competição, a sua grande carência - ameaçar sem concretizar o gol. De certo modo, repetiu isso no jogo de ontem e a partida só não foi para algo mais arrastado, como uma prorrogação, porque o zagueirão de raça, Puyol, resolveu fazer o que o pessoal da frente não conseguia. Botou a bola no filó com uma cabeçada fulminante, algo parecido com o que Juan fizera no jogo contra o Chile. Parecido por causa da parede que o outro zagueiro espanhol fez, aparando a zaga alemã enquanto Puyol chegava na bola mais vívido que um touro miúra pelas ruas de Pamplona. Será suficiente para ganhar a final? Pintou o campeão? Por mim, continuo acreditando na Holanda. Acho que não deixará escapar o título pela terceira final em que chega. Por três razões: 1) Quem viu a comemoração especialmente de Arjen Robben ao fim do jogo contra o Uruguai, assim como a dos demais jogadores, pode concluir que o escrete laranja acumulou força moral de campeão; 2) Os deuses do futebol parecem ter desenhado o caminho para que o baixinho Wesley Benjamin Sneijder venha a ser o craque do campeonato, além de a Fortuna estar sorrindo mansamente para ele, como se viu nos gols que fez tanto no Brasil como no Uruguai, com chutes desviados em defensores; 3) a Holanda tem um time sólido; pode não ser o velho Carrossel; pode não haver em campo o encanto de Gullit, Reijkard e Van Basten. Ou, em contraste, pode a Nova Laranja Mecânica não ter a fluência da Fúria. Mas uma coisa dá para dizer: time que vai adiante invicto, sem empates, desde o primeiro jogo, tem tudo para terminar a jornada levantando o Caneco. E por pouco que se fale nele, a Holanda tem ainda algo que faltou à Alemanha - tem um senhor líbero chamado Van Bommel, rodado, curtido na própria Espanha e muito equilibrado. Vejam-se as cenas de um Robinho estéril e histérico ante o rosto impassível desta que mais parece uma figura saída de um dos quadros do pintor flamengo Pieter Brueghel.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Vem aí 1974 ao contrário?

Quando Rinus Michel trouxe ao mundo o Carrossel Holandês, em 1974, o mundo ficou assombrado e, por que não?, mais feliz. De bate pronto, pergunte-se a alguém medianamente entendido em futebol sobre que seleção ele vai se lembrar: da Holanda, vice-campeã, ou da Alemanha, campeã. Muito provavelmente, dirá Holanda. Eu, que não sou cronista esportivo ou especialista, apenas um amante do futebol mais do que medianamente informado, que jogou bola e tem um irmão do qual todos nos orgulhamos em casa, quarto-zagueiro clássico do time profissional da cidade (Ituiutaba) aos 15 anos de idade, me lembro bem de Cruyff, Resenbrink, Neeskens e Jonny Rep. Do outro lado, havia um grandíssimo time, com Beckenbauer, Sepp Maier, Breitner, Overath e Müller, mas, pela plasticidade do jogo, ou pelo chocolate que o Brasil levou, acabou ficando na minha mente mais a magia do time holandês do que a eficiência implacável do escrete alemão. Hoje, por uma agradável coincidência refletida em espelho, temos a magia dos jovens nibelungos comandados por Joachim Löw e temos também a Nova Laranja Mecânica. O espírito da Holanda de 74 está agora com a Alemanha, como já esteve com o Brasil de 1982. E é isso que tem encantado no time alemão. Fazia tempo, bastante tempo mesmo, que não tínhamos em Copa do Mundo uma seleção de encher os olhos. Mas o futebol é sempre repleto de poréns. É claro que a Celeste pode botar uma pedra de sal na caminhada do time holandês e chegar ela mesma à grande disputa. Mas parece um tanto evidente que é a Holanda que deve chegar à final. A lógica diz que com a Alemanha, embora a Espanha, como a Itália de 1982, também pode erguer-se como a Fênix. Em vôo, a Fúria já está. Mas, como disse Joachim Löw, terá pela frente um time "com sede de conquistas". Se der o que o jogo jogado em campo, até o momento, aponta, teremos uma final Alemanha X Holanda. E é aqui que a ironia do destino poderá falar mais alto. Pode dar a, hoje, muito eficiente Holanda, como que movida pelo espírito de Helmut Schön, o vencedor técnico alemão de 1974. Se der, só nos restará guardar na retina, como uma doce lembrança, a beleza do toque de bola dos meninos de Munique e Bremen. Do lado holandês, em compensação, já há uma clara indicação de que existe no time um craque diferenciado, daqueles que, se há conjunto, aparece como homem decisivo. Wesley Sneijder está para a Holanda assim como Lothar Matthäus esteve para a Alemanha campeã de 90, Zinedine Zidane, para a França de 98, Diego Maradona, para a Argentina de 86 e Romário, para o Brasil de 94. Torço pela Alemanha, mas me arriscaria, na Casa de Apostas, a botar fichas na Holanda. Só para fazer um hedge contra os Deuses caprichosos do futebol.

sábado, 3 de julho de 2010

Danken Deutschland!


O espetáculo está salvo, o futebol está vivo! Esta foi a mensagem fundamental do jogo entre Alemanha e Argentina. Depois de uma sexta-feira sofrida para nós brasileiros, os alemães vieram para resgatar a magia do futebol. Dos esportes, o futebol é aquele que melhor retrata a vida. É uma fusão perfeita entre coletivo e individualidades, temperada por decisivos fatores psicológicos. No futebol, nem sempre ganha o melhor. Mas no mais das vezes, sim, o melhor ganha. E acaba de acontecer com o maravilhoso chocolate de 4 X 0 na Argentina. E o que é o melhor? É uma combinação de coisas que dão a tempestade perfeita. Começa com o que se pode, vagamente, chamar de cultura futebolística vencedora. Poucos a têm. Como a Alemanha, o Brasil e a Itália. Os demais tentam ter, mesmo a Argentina. Depois, vem o aparecimento de uma geração capaz de honrar a cultura futebolística. Acasos, como foi a contusão de Michael Ballack, e outras contusões na preparação da Alemanha, acabaram contribuindo para deixar emergir por completo a jovem geração de Khedira, Mueller e Özil. Em seguida, é preciso ter um grande técnico, como parece ser este incrível Joachim Löw. Estudioso, calmo, sensível ao novo - tudo, enfim, muito parecido com o Dunga. Löw deu à Alemanha um conjunto, um padrão de jogo e uma volúpia que ele bem definiu na coletiva de imprensa depois do jogo: "nós viemos para este jogo para ganhar... não me surpreendi com a Argentina, sabíamos como viriam com Messi no meio-de-campo, bloqueamos suas jogadas sem fazer faltas, e nossos jogadores, Schweinsteiger, Özil, Mueller, encontraram caminhos no campo que desnortearam os argentinos" Além do bom técnico, vem o time de qualidade. Forma-se o conjunto na lida, no embate com os adversários. Assim, a Alemanha que sairá da África do Sul será um time curtido. Por fim, é preciso que o time tenha um líder. Phillip Lahm é o cara. Além de experiente da outra copa, é muito bom de bola. Não se pode garantir que a Alemanha será campeã. Até porque o peru não morre de véspera. Jogo de futebol só termina quando acaba. Que dirá campeonatos. Mas, enfim, a Alemanha apurou um conjunto muito equilibrado. Bom goleiro, defesa sólida, meio-de-campo leve e criativo e atacantes, Podolski e Klose, iluminados. Com tudo isso, o craque, ou craques, pode aparecer. E faz um bom tempo que esse fantástico Schweinsteiger tem jogado uma bola muito rendoda. Claro candidato a melhor da Copa. Seu mais sério concorrente é o baixinho holandês Sneijder. Agora, tudo se encaminha para mais uma final Alemanha X Holanda. Será a chance de, finalmente, a Laranja Mecânica chegar ao clube dos grandes. Mas lhe surgiu um terrível nibelungo pela frente. O futebol agradece!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

De Deuses e Demônios


Em 1982, a minha decepção, e a de todos os brasileiros que amam o futebol bem jogado, era profunda, doída, do fundo da alma. Quando Paolo Rossi fez o terceiro gol italiano e fechou o caixão da segunda melhor seleção brasileira de todos os tempos, os Deuses do futebol resolveram punir o grande Telê Santana e sua fantástica troupe de artistas da bola de uma forma que até hoje não se entende. Estupor igual ou maior só fora sentido no Maracanã em 1950, na final com o Uruguai. Verdadeiramente, quiseram os Deuses do futebol que Toninho Cerezo errasse aquela cruzada de bola na intermediária brasileira, presenteando o dadivoso Rossi. Agora, 28 anos depois, talvez pelo amadurecimento de um homem de 55 anos, estive longe, muito longe dos humores condoídos de 1982. Esperava que a qualquer momento a Fortuna castigasse o futebol brasileiro. Sim, porque foi um castigo perfeito. Depois de um primeiro tempo animador e de qualidade, com 1 X 0 no placar do estádio de Porto Elizabeth, vimos um time em parafuso no segundo tempo, com os nervos à flor da pele, ante um adversário que soube sair das cordas e, lenta e cruelmente como um garrote vil, sufocar o meio de campo e esmigalhar a defesa do escrete nacional. Os demônios dos erros de Dunga resolveram entrar todos em campo ao mesmo tempo, por 45 minutos impiedosos. Não culpo o pobre do Felipe Melo e seus nervos em pandarecos. O lançamento que ele fez para Robinho marcar o gol é coisa de quem sabe jogar futebol, e bem. Crucificá-lo seria fazer o mesmo que foi feito com Roberto Carlos e seu famoso meião na Copa de 2006, na Alemanha. O comentarista Casagrande fez o melhor comentário na TV Globo, ao dizer que o futebol é para ser jogado com felicidade, com prazer de fazer a coisa bem feita e com encanto. É claro que o futebol mudou muito e que os fatores eficiência, foco, organização e preparo físico formam um conjunto fundamental. Mas em qualquer circunstância a leveza tem de estar presente. Em 2006, tivemos a leviandade. Em 2010, faltou encanto, faltou felicidade nesta seleção. Foram todos preparados para um Coliseum, como um grupo de centuriões. Dunga, dizem, andou lendo Maquiavel. Morou em Florença, jogou na Fiorentina, mas parece que só leu um lado do nosso inesgotável Niccoló. Leu o Príncipe com alumbramento. Mas se esqueceu que o bom renascentista era, essencialmente, um intelectual de várias feições. Se tivesse lido os Discuros sobre a primeira década de Tito Lívio teria visto também a elegia da República. Mas flexibilidade, jogo de cintura,parece não ser o forte de nosso capitão de 94. Não vamos massacrá-lo também. Acima dele tem o Ricardo Teixeira e muitas, muitas outras injunções que nos ditam o futebol como questão de vida ou morte da brasilidade. Mas a brasilidade, de todo modo, já está pulsando aqui bem viva, nos pés de Ganso, na explosão irreverente de Neymar, na magia do esquecido Ronaldinho Gaúcho, que, se tiver dois dedos de vontade, poderá nos ajudar a ganhar o Caneco aqui em 2014. Este, tenho certeza, ganharemos. O pêndulo, que foi muito para um lado em 2006 e oscilou demais para o outro em 2010, voltará para o centro em 2014. Com bom técnico e organização, é só deixar que em campo a magia de nossos craques faça o serviço.
P.S: Não tinha visto a entrevista do Felipe Melo depois do jogo. Impressionante. Nenhuma lágrima, arrependimento da boca para fora. Sentimento zero. Uma coisa meio psicopata. Esse rapaz deve ser banido da seleção para sempre. (3/7)

domingo, 27 de junho de 2010

Joachim Löw no Brasil, Dunga na Alemanha



Inversão de valores total nesta Copa. É só olhar a cara de felicidade do técnico alemão, Joachim Löw e a do técnico brasileiro Dunga. Não são fotos de hoje, da Copa. São fotos aleatórias. Mas é uma questão de atitude perante o futebol. Técnicos de futebal não são funtdamentais pelo que fazem em termos de táticas, mas pelo que conseguem transmitir em termos de vibração, de carisma, de confiança para seus jogadores. É claro que o técnico não pode, também, ser um nó cego em termos de organização tática. Mas um técnico, antes de tudo, não pode brigar contra o bom senso. e pior, não pode ficar vendo inimigos por todo lado. Tem de se preocupar, fundamentalmente, em motivar e não atrapalhar. Corrigir, quando é preciso. Ter personalidade, em qualquer circunstância. Foi assim com Felipão. Foi assim com Telê. Mas nosso Dunga parece que quer provar que o mundo todo está errado, mas ele está certo. Quer nos impor um tipo de futebol que pouco honra nossas tradições. Três volantes é demais! Löw investiu no jovem Ôsil, de 21 anos. E já tinha um ótimo, e provado, Schweinsteiger. Um excelente Lahm e um muito bom Mueller apareceu. Mas no Brasil, não. Um Ganso de 21 anos não pode por ser muito jovem, mas um Ôsil de 21 anos lá, pode e muito. E ficar pensando que o Gaúcho está perdido por aí, longe da África. Poderemos chegar até a final, mas não será o Brasil de encher os olhos, como poderia ter sido.
P.S: A Argentina tem a alegria de Maradona, o Messi e o compromisso atávico de Tevez, mas não me parece essa potência toda que querem ver. Talvez venha a ser, se passar pela Alemanha. A ver.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O caminho do meio


O sacode que o Corinthians deu no Santos no domingo pode ser o início de um novo tempo no time de Parque São Jorge. A atitude em campo mudou não só porque o time esteve a fim de comer a bola. O técnico Mano Menezes armou o Corinthians corrigindo a sua principal dificuldade até aqui - a fragilidade criativa do meio-de-campo. A entrada de Bruno Cesar, desde o início, e a surpreendente escalação de Danilo, com Souza no banco, foram o fator decisivo para a virada de postura da equipe. O técnico também teve inteligência em escalar Jucilei pela direita. A consequência: mesmo sendo encurralado pelo Santos nos 30 minutos finais do primeiro tempo, o Corinthians conseguiu anular os dois principais jogadores do Peixe, Ganso e Neymar. Com isso, quebrou a fluência do meio de campo do adversário, embora Marquinhos tivesse jogado muita bola, com dois ou três passes sensacionais para os atacantes santistas. Num deles, logo no começo do segundo tempo, gol do bom centroavante André. De todo modo, o Corinthians matou o meio santista e, com a capacidade de reagir logo depois do empate, ganhou o clássico moralmente, ali no segundo gol. Elias, que já vinha marcando muito bem por pressão, passou a morder os meias do Santos e a abastecer o contra-ataque corintiano. No mais emocionante deles, Dentinho tocou para Ralf que, de forma muito inteligente, enganou a zaga e colocou muito bem a bola no canto direito do goleiro Felipe. Deu tanta sorte que a bola foi direto ao gol, embora me tenha parecido que ele buscasse o cruzamento para o atacante, o qual fatalmente também faria o gol. O Corinthians foi bem superior ao Santos em 2/3 do tempo de jogo. Não houve erro do bandeirinha ao anular o gol de Marquinhos e tampouco Jorge Henrique deslocou o zagueiro Edu Dracena no gol de Bruno Cesar. Resumo da ópera: o Corinthians ganhou fôlego novo no campeonato. Cresceu moralmente, encontrou uma melhor formação e, sobretudo, deixou uma lição: o time deve jogar conforme as características do adversário. Ontem, parece que o Mano deixou seu comportamento padrão, de previsibilidade, de lado e teve uma tarde de Mourinho. Estudou o Santos e buscou uma melhor formação. Já o Santos não deixou de ser o time que a todos encanta, mas ganhou uma pausa para reflexão. Terá de cuidar mais de sua postura defensiva. Não acreditar que dará espetáculo em todos os jogos. E trabalhar para amadurecer os meninos, especialmente Neymar, que já parece se comportar como um Deus dos gramados. Ele é ótimo, mas precisa ser menos vaidoso e mais profissional. Agora, porém, louve-se o que deve ser louvado a seriedade e o fino trato, na bola, do ex-meia de Santo André. Ave Cesar!

domingo, 23 de maio de 2010

Vence mas não empolga


E o Corinthians venceu a terceira partida consecutiva neste começo de Brasileirão. É um time que vence mas não emociona. Nós, torcedores, ficamos esperando a maionese desandar a qualquer momento. Como neste jogo contra o Fluminense em que, por muito pouco, o Fred não muda a história da partida, numa cabeçada livre dentro da área, com a bola triscando a forquilha direita do goleiro Felipe. Se sai o gol do Flu ali, o time poderia embalar e buscar a vitória. Três razões explicam o mau jogo do Corinthians, um time totalmente previsível de um técnico incapaz de buscar a surpresa. 1) Não há meio de campo: na prática, joga-se com três volantes - Ralf, Jucilei e Elias. Não há meias. Não há saída rápida de bola. Mesmo com a vantagem de um a zero, o time é incapaz de armar contra-ataques rápidos, mortais. 2) Confusão de alas e pontas: a função primordial de Jorge Henrique e Dentinho é marcar a saída de bola do adversário. Não se sabe direito se eles são atacantes ou marcadores dos alas adversários, mesmo quando não há alas nitidamente ofensivos, como foi o caso do Fluminense nesta partida. O técnico parece que só enxerga um tipo de jogo, num formato teórico 4x3x3, que funciona de fato como um 4x5x1 em V e que é incapaz de rapidez, dada a lentidão dos cabeças-de-área Ralf e Jucilei. 3) Não existe ataque: com os "meias-ponteiros" (Jorge Henrique e Dentinho) se confundindo o tempo todo com os alas, e sem meias clássicos (esquerda ou direita), o centro-avante fica completamente isolado. Esse time era assim, com Ronaldo, na Libertadores e assim continua. Mas pode piorar, ficando ainda mais lento com Tcheco ou Danilo. Não é que os jogadores não sirvam. É que o técnico é incapaz de buscar um padrão de jogo ofensivo. Ganhar de um 1x0, para Mano Menezes, já é ganhar de goleada. Mano busca uma suposta eficiência e nunca o espetáculo. O argentino bom de bola está há um ano por aqui e até hoje não entendi direito o que querem dele, ou não querem. Infelizmente, é esperar para ver até onde vai esse andar de carruagem. Carrossel, por enquanto, só o do Santos. Mas o São Paulo sempre está por aí, batendo na porta.

sábado, 22 de maio de 2010

Paciência em jogo novo


O furo da Reuters, com os trechos da carta de Obama, de 15 dias atrás, ao presidente Lula é fato novo. Mostra como as pessoas, principalmente os profissionais da informação, devem ser cautelosas. Apressados construíram o seu texto para desconstruir o que Lula conseguira, junto com o primeiro-ministro Erdogan. Outros mal disfarçaram o riso contido ante a reação imediata comandada por Hillary Clinton. O fato é que este é um acontecimento daqueles que embaralham o meio-de-campo. É melhor ter cautela com as opiniões apressadas. Surpreendentemente, dois antípodas nos ensinaram algo nesses dias. O primeiro foi o próprio Lula, em Madri, dizendo contidamente aos repórteres que era preciso esperar que os fatos "maturassem". O segundo, surpreendentemente, veio do quase sempre ácido (com Lula) Estadão, reconhecendo em editorial o seu feito e sugerindo que o melhor a fazer era observar o desenrolar do jogo na ONU e fora dela. De todo modo, é curioso ver algumas tentativas de desqualificar, pela crítica, diga-se, e não pelo deboche, o caminho trilhado até o acordo. Bom que elas existam e se expressem. Só acho que o Espaço Aberto da jornalista Miriam Leitão ficaria mais aberto se ouvisse contrários e não só o pensamento unívoco dos embaixadores Luís Felipe Lampreia e Sergio Amaral. Para os três, repórter e embaixadores, continuar Rio Branco seria o Brasil não se meter em ações diplomáticas que tomam partido. É um ponto de vista. Existem outros, como o de que o partido tomado foi o da busca da paz. É claro que política internacional e o jogo diplomático não tratam de um passeio no Eden. Até porque quando as tratativas diplomáticas saem de cena costumam falar alto os canhões. Neste caso, mesmo com o rascunho de resolução apresentado por Hillary no Conselho de Segurança, atrasou-se a minutagem do conflito. E o Irã veio para o campo de jogo. Nada está garantido, mas é sempre bom quando um pouco de luz se faz. P.S.: assinante que sou da ótima Globo News, sugiro-lhes um pouquinho mais de diversidade. Faz bem a nossa inteligência e ao nosso direito de consumidor.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Bebop + Havana Club = Sweet Memories


Milt Jackson na caixa, dose de Añejo 7 Años no copo, e o pensamento voa para a paulicéia de um tempo que não existe mais. O que um garoto de 20 anos podia fazer com o mundo inteiro por descobrir e uma vontade louca de mergulhar em toda a arte do bebop? Podia, por exemplo, entrar no mundo mágico das lojas Bruno Blois e Breno Rossi, das ruas 24 de Maio e Dom José de Barros, ir ao aquário de importados e mandar baixar Miles, Coltrane, Thelonious, Mingus, Dizzy e o que mais a grana pudesse levar para casa. Para um iniciante das notícias, dividido entre o desejo de pôr (sei que caiu o circunflexo, mas ele é tão bonito assim) tudo abaixo e encarar a disciplina de uma redação, o que fazer? O jornalismo vivia um grande momento, apesar da censura dentro das redações. Num pequeno retângulo da cidade, havia uma alta concentração de grandes redações, com profissionais feitos de uma argamassa que já não existe mais. Começando pela Rua 7 de abril, meio decaídos, sem muitas perspectivas, os Diários do Chatô onde um dia um jovem de 19 anos, entre tantos, começara a trabalhar nas pretinhas da Remington. Ao lado, um pouco mais à frente, a Visão, ainda do Said Farhat, onde se podia tentar algo, muito marginalmente, com ao fundo vários grandes nomes. Muito perto dali, na calçada da Avenida São Luiz, um dos tremendos objetos do desejo de iniciantes, e também não iniciantes: a sucursal do JB. Antes de chegar ao vértice da avenida, de onde se erguia imponente o Estadão, secundado pela rica Gazeta Mercantil (como se ganhava dignamente naquela época!), a sucursal do Globo no Conjunto Zarvos, onde sempre chegava, no começo da tarde, um certo setorista de esportes em sua luxuosa Brasília (luxo sim, porque ter carro era para poucos jovens estudantes, então). Isso era o que contava. A Folha, lá ao fundo, na Barão de Limeira, fora desse quadrilátero, apenas saía da sombra, pelas mãos de Cláudio Abramo. Era um tempo em que, frequentemente, a notícia ia em passeata pela frente dessas redações, puxada por montes de jovens vindos lá dos fundos da Cidade Universitária da USP dispostos a enfrentar gases e cassetetes. Era um tempo em que o papel picado caía em festa dos prédios do centro, saudando o novo e o desafio. E que, depois de tudo, podia-se molhar a garganta com um escuro e forrar o estômago com um churrasquinho com queijo, em pãozinho francês, da Salada Paulista. Mas também havia um divino croquete e as salsichas.

Noitinha de sexta com Thelonious


Ah! as maravilhas que o ITunes nos dá. Algo impensável para um cara dos anos 70, que descobriu Thelonious na velha bolacha de vinil. Você ativa a seção de rádio do software, escolhe aleatoriamente na lista e algo maravilhoso acontece. Um som límpido, sem lags nem nada, vai brotando do computador como água purinha da fonte. Vem um Thelonious com Sonny Rollins maravilhoso, primeiro The way you look Tonight, depois Ruby my Dear e a noite entra com Miles, Errol Garner, Dexter Gordon e um sublime Coltrane (You're a Weaver of Dreams). Melhor ir pelo ITunes mesmo na sky.fm/bebop, pela web o endereço não entra. De todo modo, acho o disco na Amazon, no Submarino e em outros sites. Me motivo a comprar. Ainda acredito em recompensar o direito autoral e essas coisas. Depois, não quero ficar dependendo de filho para colocar num MP3. Quero sacar o disquinho para ouvir no carro, na sala, escondido no trabalho. Ter um CD é como ter um livro nas mãos. De imaterial basta o conteúdo, embora isso não seja uma peroração contra nada. Apenas uma sensação de bem estar com a pequena posse.

sábado, 15 de maio de 2010

Mais Mayra Andrade

A beleza, a voz e o balanço de Mayra estão me deixando louco de pedra, num êxtase! Ouvi-la é uma felicidade só.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Jobs, tecnologia e soccer game


A cabeça de Steve Jobs está bem explicada no livro homônimo de Leander Kahney, editor da revista Wired, que ganhei de um amigo duas semanas atrâs, ao fazer 55 anos. Trabalho em Macs há 20 anos, embora não seja macmaníaco. Mas sou fã do Mac e de Jobs (sem religiosidade). Em Jobs, dá para ver que tecnologia não é aridez. Tem muito de arte. E tem muito de futebol, ou de basquete, ou de futebol americano. Como queiram. Tecnologia é jogo de equipe. E quando tem um gênio no comando, faz toda a diferença. Isso deveria ser bem digerido pelos nossos estudiosos do tema inovação, e também pelos técnicos do governo. Para não dizer, executivos e empreendedores. Vale registrar esta pérola de Jobs, na Fortune: "A inovação não tem nada a ver com a quantidade de dólares que você investe em P&D. Quando a Apple lançou o Mac, a IBM estava gastando no mínimo cem vezes mais em P&D. Não é uma questão de dinheiro. É a equipe que você tem, sua motivação e o quanto você entende da coisa." Bingo! Depois de passar pelo governo (Lula I), ter ajudado a escrever a Lei de Inovação, ver e ouvir os debates sobre gastos com P&D em proporção do PIB, me acautelo. O ponto não é gastarmos mais porque a China e a Coréia aumentaram substancialmente o seu gasto com P&D. A questão é orientar o gasto eficientemente. Mas estamos preparados para isso? Será, cada vez mais, necessário que os gestores públicos "entendam da coisa", além de estarem motivados. Aliás, este é o ponto que estará no caroço do abacate do poder público no próximo governo e nas próximas décadas. Eficiência. A acomodação e os arranjos políticos não vão sair de cena, aliás nunca saem, em país nenhum. Mas o governo terá de saber se concentrar no essencial. Ainda que vindas do mundo privado, as lições da cabeça de Jobs ensinam, o tempo todo, a separar o principal do secundário. Se o Brasil quiser ter êxito, precisará dessas coisas. Cada vez mais.

Fernandão sublima


Para mim, eram favas contadas que o Cruzeiro iria colocar o São Paulo na roda. Ledo engano. Zapeando entre este jogo e Grêmio e Santos, pude reter o fundamental. O São Paulo, mesmo sem Miranda, esteve muito forte na defesa e o tal do Marlos jogou muita bola. Rapaz miúdo, mas atarracado. Grande habilidade com a bola nos pés. Hernanes com a categoria de sempre. De repente, o São Paulo, que esteve jogando uma bolinha miúda, dá uma tremenda sapecada no Cruzeiro. Decisivo foi Fernandão. Grande estréia. Vejam o primeiro gol do São Paulo. Com leve toque por cobertura, na entrada da área, Fernandão colocou Marlos á frente, dentro da área, de uma linha de cinco zagueiros. Jogada de fundo, passe preciso para Dagoberto. Jogada de velocidade e caixa. O segundo gol, com o calcanhar socrático de Fernandão, Hernanes não perguntou, não usou de nenhuma maiêutica. Respondeu com precisão. Livre dentro da área, colocou a bola cirurgicamente no canto esquerdo do goleiro do Cruzeiro. Mineirão calado. Corintiano, eu já havia ficado impressionado ao ver, no ano passado, no Pacaembu, a dupla Fernandão-Iarley trucidar o Corinthians. Os espertos Andrés Sanches e Mano Menezes deram de buscar o Iarley. O que fazer? Como gostamos de futebol, resta-nos ver o time dos outros jogar. Se a janela européia permitir, teremos um grande Brasileirão este ano. Vários times bem montados, técnicos excelentes, como este Paulo Silas, do Grêmio. Mas é certo que o São Paulo, enriquecido por Fernandão, virá, de novo, bem montado e com ambição para chegar. É claro, também, que o Cruzeiro pode jogar muita bola no Morumbi, semana que vem, e desclassificar o São Paulo na Libertadores. Tem time e campanha na Libertadores para isso. E o técnico, Adilson, também é muito bom. Ricardo Gomes, invejo. Trocaria, sem pestanejar, o Mano Menezes (medíocre) por ele.

Grêmio 4x3 Santos - Gols & Lances - Copa do Brasil 2010 - 12.05.10

O Pas de Dieu de Ganso

Paulo Henrique Ganso foi, a meu ver, a figura mais luminosa numa noite de futebol espetacular, ontem (12/5). O que ele fez em Grêmio 4 X 3 Santos nos ajuda a entender o que é o futebol e o papel do jogador luminar, que o Dunga não quis ver. A primeira enfiada de bola de Ganso para o bom centroavante André, entre três jogadores do Grêmio, revela o fundamental: a transição rápida da defesa ao ataque, num contra-ataque fulminante, é mortal quando passa pelos pés de um gênio (caso de Ganso) ou mesmo de um jogador muito bom (caso de Douglas, meia do Grêmio, que tem qualidade para fazer uma jogada deste tipo). Desde que a Laranja Mecânica de 74 colocou o Brasil na roda e mudou os rumos do futebol, introduzindo a tônica conjunto-velocidade, temperada pela habilidade de um gênio (Cruyff), sabe-se que todo grande time precisa de um meio de campo que alie combatividade e criatividade. Em verdade, sabe-se disso bem antes da Holanda de Rinus Mitchel. Até porque foi assim que o Brasil faturou o caneco do Tri no México, com talvez o melhor meio de campo da história do futebol: Clodoaldo, Gerson e Rivellino, temperado pelo três da frente infernal: Jairzinho, Pelé e Tostão. (O 4x3x3 ainda é uma excelente formação no futebol!). Mas o jeito de jogar era outro e foi o que a Laranja Mecânica mudou. O Santos de hoje tem um meio-de-campo espetacular: Arouca, Wesley, Marquinhos e Ganso. Pouco se fala nele, mas Wesley é um jogador sensacional, visceral. Combate, arma em velocidade e arremata muito bem de fora da área. E temos o Ganso. E o que parece ser o Ganso? O Ganso parece ser uma criação única dos Deuses, que botaram num cadinho um tanto de Cruyff e um muito de Gerson. Como Gerson, Ganso tem uma canhotinha de ouro. Como Cruyff, tem a passada rápida e a cabeça erguida. É claro que estilos são estilos. Comparações apenas nos servem para entender o novo. E o novo está na jogada sublime de Ganso no terceiro gol do Santos. Reparem no vídeo. Calma com a bola no ângulo direito da grande área, tempo de bola, cabeça erguida, invertida sutil em diagonal para o ângulo direito da pequena área, no peito de Robinho, que com categoria assinou a pintura. Se o Santos de hoje tivesse Júlio Cesar no Gol, Maicon na direita, Lúcio e Juan na zaga, o conjunto canarinho estaria quase pronto. Mas esta é outra conversa. Melhor deixar para lá.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

55

Chegando aos 55 anos, este 1º de Maio de 2010, resolvi contrariar Turgueniev. "Nada como a sabedoria de um homem de mais de 55 anos", diz-se que ele disse isso. Se disse ou não o disse, vale o mote. Assumi riscos e entro na Blogosfera. Ainda sou jornalista e, se tiver notícias, as postarei aqui. Notícias serão notícias. Estarão bem separadas de opiniões, minhas e de outros. Pois isso me intriga na imprensa de hoje. Aquela regrinha básica que aprendemos na escola de jornalismo, embora eu pouco tenha ido a minhas aulas na USP (mas conclui, afinal), está hoje absurdamente violada na imprensa brasileira. Mesmo que a velocidade da Internet tenha deixado um pouco em desuso, ou, pelo menos, muito volátil, a notícia, parece haver uma incrível propensão de os jornalistas deitarem falação sobre todo o alfabeto. De A a Z. Opinião, opinião e mais opinião. E há os epígonos do Paulo Francis, para quem a regra é aquela mesma: "Não me importa que a mula manque, eu quero é rosetar." Mas pelo menos ele era divertido e reconhecidamente encarnava um personagem. Hoje tem gente demais cheia de razão e pouca informação. Cuidado também não há. Isenção? Uma quimera! Já estive na linha de frente de uma editoria de economia de um grande jornal e de uma grande revista semanal do Brasil, deixei o jornalismo para trabalhar no governo (Lula I), no caroço do abacate do poder (Ministério da Fazenda). Sou um dos três autores da "Carta ao Povo Brasileiro" de Luiz Inácio, de junho de 2002. Voltei para Sampa e hoje trabalho no lado privado. Tudo isso me fez ficar muito mais cuidadoso. A vida companheiro, como dizia o Poetinha, não é brincadeira. E assim dito, vamos bloggar. Vamos enfiar o Pé na Jaca.