domingo, 15 de agosto de 2010

As dores do tempo

Enfermeira do meu médico
(quem me dera!)
Sexta-feira, 13 de agosto, dia normal. Sem gato preto nem escadas por baixo das quais passar. Noitinha chegando e eu já em casa, recebo um telefonema de trabalho vindo das alturas. Mais não posso dizer. Mas anima. Estimula como ceva de beira de rio. A gente vai pondo querela dia após dia, até que, ôps!, o piau fisga. O lambari ainda não está na panela, mas as águas começam a se movimentar suavemente. Nem tão paradas para só dar traíras, nem tão revoltas para dar peixe nenhum. Eis, então, que resolvo enfrentar o inadiável. Os exames estão prontos desde o dia 10. Aquela coisa: urina, urina 1, PSA, uréia blá, blá, blá. Códigos e senhas postos no portal do laboratório, resultados na tela da minha boa maçãzinha; "- Não seja modesto, Sr. Pé, a máquina é um Mac parrudo que você regateou de seu tecno-vídeo-filho", buzina aqui por sobre o meu ombro esquerdo o alterego Ed. Mas vejo os números. Tudo ótimo e até mesmo um PSA de garotão. Pronto, fico feliz. Já tenho munição pra dizer pro meu prostático médico: - "Tá vendo, tô beleza. Toque retal só daqui a 20 anos. Me inclua fora desta, por favor." Mas... sempre tem um mas. Vejo um 222 na linha da dosagem de glicose e comparo com os indicadores de referência. O ponto de corte é 100. Abaixo disso, beleza. Acima, numa faixa de 100 a 125, intolerância a glicose; depois, pra cima de 126, o golpe: diabetes. Pronto, já me desabalo a googar pra saber quanto tempo de vida ainda tenho. Não faça drama, diz-me a mulher amada piedosa; meu anjo bom. Falo com meu chefe ao telefone. O cara tem estrada rodada nesses assuntos e me aquieta. "Calma, você não é diabético, você apenas está tendo uma crise de diabetes", diz ele. É como se o sinal amarelo tivesse acendido. "Mas pode ir tratando de cortar aqueles doces que nos seduzem em nossos almoços. Vamos ter refeições mais frugais", ele me põe no chão de novo. Tá bom, penso. Vou voltar ao médico e ver o diagnóstico completo. O duro de ter 55 anos é isso: o cara tem uma vitalidade intelectual no zênite, mas um ranger de ossos que já vai soando como uma engrenagem com pouca graxa. Resta o consolo da experiência. - O homem maduro é um homem experiente, diria um sábio. Sim, mas o que é a experiência senão "um carro numa noite chuvosa e escura, com os faróis virados para dentro"? - definiu amargamente o médico e memorialista mineiro Pedro Nava. Seja como for, depois que esta gripezinha chata for embora, prometo que vou cair na piscina de novo e voltar a fazer 2 mil metros. Terei pulmões de Campos do Jordão.

4 comentários:

  1. Sandra Regina F. Carvalho16 de agosto de 2010 às 21:15

    Mesmo estando longe dessa fase....receba minha solidariedade... (rsrsrs)! Temo as dores do tempo, mas quando elas chegarem, espero descrevê-las com a categoria que você o fez!

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  2. Com elogios assim, nem dores tenho mais. Vupt, já eram.

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  3. This was a very interesting post,, thank you for sharing

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