sábado, 31 de julho de 2010

A Califórnia é (mesmo) diferente, irmão

Ítalo Penarrubia, de Sto. Andre: ouro no half amador (foto ESPN)
Embora já tenho passado da idade de trepar numa moto estilo cross e ousar saltos e piruetas, ou de surfar no seco em cima de um skate, não posso deixar de curtir as manobras radicais deste 16º X Games, transmitido pelo cabo, nos canais ESPN. Se temos um apelo a nos mover para o novo dentro de casa, como tenho por meio de meu filho mais velho, Pedro, que neste momento trabalha nas transmissões pela TV desde Los Angeles, correndo do Staples Center para o Nokia Theater e daí para a arena do Coliseum, a bizarrice vai ficando menor. Já se vai o terceiro ano em que vou aprendendo o que é flipar numa motocross freestyle ou num skate em suas várias modalides – Big Air (mega-rampa), Vert (vertical) ou Street (rua). Ainda não cheguei a pegar gosto pelos carros que disputam rallyes, mas os nomes dos talentos começam a habitar minha mente. Se na noite de abertura, quinta-feira, o nome da fera foi Travis Pastrana, na ferveção de sexta, quem deixou a marca maior foi o canadense Jean-Luc Gagnon, vencedor de dois ouros nas modalidades Vert e Best Trick (este, o de melhor salto). Os caras vão se alternando por um tempo determinado, com número pré-definido de tentativas, deslizam pelos 180º graus da rampa, mais "erram" do que acertam e, de repente, está lá – encaixam o salto e a manobra perfeitos, disparam na pontuação e fazem o pódio do ouro ao bronze. Desafiam a gravidade e vão promovendo a evolução de um esporte que, apesar de ter menos de duas décadas como evento competitivo, é um espelho da capacidade dos Estados Unidos, e em especial da Califórnia, de criar novos gostos e padrões de comportamento mundo afora. Surf, skate, motocross e bicicross são invenções californianas que ganharam corações e mentes de jovens do mundo inteiro. Mesmo sendo um evento privado, pois a marca pertence ao canal ESPN, os X Games já são um fenômeno multicultural e multinacional. Nas tábuas de classificação, destacam-se, naturalmente, californianos, americanos, canadenses, franceses, japoneses, australianos, neo-zelandeses e brasileiros também. Temos alguns ídolos globais, como Bob Burnquist, e algumas jovens promessas, como o garoto catarinense Pedro Barros, de apenas 15 anos, e Ítalo Penarrubia, ouro na categoria amador. Em dezembro, haverá uma edição dos X Games em São Paulo e certamente veremos um sambódramo paulistano bombando com mais de 30 mil pessoas na galera. O bacana desses jogos é que eles evoluíram mantendo uma essência de desafio e amizade entre atletas, própria de um tempo na  infância e adolescência em que garotos fazem da rivalidade um saudável exercício de triunfo da determinação, sem necessariamente furar a jugular do oponente. Isso a Califórnia soube explorar, empacotar e exportar para o mundo como jamais se viu. Por isso, irmão, a Califórnia é mesmo diferente, como disse a música de Lulu Santos tempos atrás.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O vôo de Travis Pastrana

http://espnbrasil.terra.com.br/xgames/noticia/138856_TRAVIS+PASTRANA+VENCE+O+SETIMO+OURO+NO+FREESTYLE+MOTOCROSS

É um pássaro? É um avião acrobático? É um OVNI? Não, é Travis Pastrana numa tarde memorável no Coliseum de Los Angeles, no 16º X-Games. Já com a medalha de ouro garantida, com um ponto à frente do jovem neozelandês Sherwood, de 18 anos, o pai do Motocross Freestyle roubou a cena. Na terceira e última série de manobras, Pastrana executou um double back flip, deixando pasmos os narradores da ESPN Brasil. Ele próprio havia prometido que não faria mais esse tipo de manobra, que equivale a um duplo salto mortal em cima da motocicleta. Mas falou mais alto o amor pelo desafio, que é o coração e também a cara dessas que poderiam ser chamadas de as Olimpíadas dos esportes radicais. A última vez que Pastrana havia participado de uma competição de Freestyle foi em 2006. Depois, preferiu outras modalidades e se concentrou em rally de automóvel, como piloto da Toyota. Mas Pastrana voltou ao Freestyle de uma forma espantosa, ontem, no primeiro dia de competições do 16º X-Games. Suas entradas em pista, como se pode ver no vídeo da ESPN (siga o link acima), já vinham carimbadas por um back flip (um mortal) definido a partir de uma minúscula (para os padrões da disputa) rampa de terra. Se fosse no futebol, a imagem com a qual comumente se poderia relacionar, como disse o finado João Saldanha sobre o ponta esquerda Joãozinho, do Cruzeiro, seria o de um drible sobre um lenço estendido. Ou seja, coisa possível apenas para super-dotados ou caras muito bons, mas com um parafuso a menos na cabeça. No caso de Pastrana, com uns parafusos a mais, tantos foram os seus tombos e reconstruções em mesas hospitalares. Numa delas, em que teve afetada a espinha dorsal, Pastrana ficou em coma por dois meses. Mas é de caras assim, que fazem o absurdamente impossível, que se quebram as barreiras nos esportes e se borram os limites entre o homem e a gravidade. Quem tiver ESPN em casa ainda poderá ver, nas noites de sexta a domingo, mais cenas improváveis desses inacreditáveis X-Games.
P.S: o brasileiro Bob Burnquist ficou, de novo este ano, atrás do australiano Jake Brown na mega-rampa do skate, mas ter visto o garoto Pedro Barros, de 15 anos, completar um de seus cinco saltos na final da Big Air já valeu a pena.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O torcedor ranheta

Toque de craque de Neymar (Folhapress)
Ao ver ontem pela TV, preferencialmente, o primeiro jogo da final da Copa do Brasil, Santos 2 X 0 Vitória, em lugar da semifinal da Libertadores, Internacional 1 X 0 São Paulo, chamaram-me a atenção as insistentes observações do ex-jogador Neto, hoje comentarista de futebol da TV Bandeirantes, sobre um pequeno grupo de torcedores ao lado da cabine de transmissão que não para de pegar no pé do jovem atacante Neymar. Não bastassem o gol refinado que ele fez, aparando o cruzamento da direita com um sutil jogo de corpo e uma leve peitada na bola que a põe no fundo do barbante, ou as jogadas desconcertantes e em velocidade pra cima dos zagueiros do Vitória, uma delas terminando em pênalti para o Santos; nada parece satisfazer um certo tipo de torcedor muito comum nos estádios. Assim como na Vila Belmiro, fui vítima de algumas dessas vozes no domingo passado, ao assistir no Pacaembu a Corinthians 3 X 1 Guarani. Ontem foi a vez de os detratores escalarem Neymar para Cristo. No domingo, aconteceu com Dentinho. Ambos são jogadores muito ligeiros e, frequentemente, um tanto preciosistas. Mas eles sabem muito bem que, no curtíssimo espaço disponível no campo, por causa das terríveis marcações, o jeito é tocar de primeira, para receber em seguida, ou buscar o inesperado, no drible fluente. Com isso, as jogadas são, cada vez mais, executadas em velocidade e é muito comum algumas serem frustradas. Vez por outra, ocorre de oferecerem o contra-ataque mortal para o adversário. Entretanto, quando se concretizam, geralmente terminam em coisa boa - gol do próprio atacante ou passe de bandeja para algum companheiro. Mas o torcedor ranheta não quer saber do inesperado. Depois que Neymar perdeu o pênalti que ele próprio cavara, as vozes reclamantes ficaram mais exaltadas. No domingo, Dentinho não teve a sorte de fazer gol e, ainda por cima, terminou expulso por um gesto espalhafatoso, que o mau juiz entendeu como tentativa de agressão. Na TV se pode ver depois a simulação grotesca do jogador do Guarani, "ferido" sem ter sido atingido. Ainda na Vila, ontem, o torcedor ranheta desatou a chamar o bom técnico Dorival Junior de burro porque substituiu Ganso por Marquinhos. Não querem nem saber as razões do técnico. Não olham que Ganso voltou de uma operação feita há pouco, no período da Copa. Nada disso. Esses caras querem mesmo é reclamar. Só que, na Vila, tiveram de engolir as vaias, depois do bonito gol de falta de Marquinhos. Eu até hoje não consigo entender esse tipo de gente. Se alguém puder me explicar, por favor, sou todo ouvidos. Mas conheço bem ao que leva o contágio desses torcedores em certos momentos propícios ao mau humor. Na história, é possível lembrar da saída de Rivellino, do Corinthians para o Fluminense ou, mais recentemente, de Kaká, do São Paulo para o Milan. O pior é que não há antídoto contra esse tipo de gente. Nem mesmo quando, no estádio, você consegue mudar de assento, como fiz no domingo passado. Sempre haverá perto de você um espírito de porco a chafurdar em ranzinzice perpétua.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Preguiça boa


A boa surpresa nesta manhã é que me dei conta por acaso de como o dia sempre pode começar melhor. Neste segundo dia de volta das férias, já um pouco atrasado para minha aula de natação, sou obrigado a me apressar. Pego o carro e ligo o rádio. Normalmente, a caixa despejaria a voz modular e levemente grave de Herodoto Barbeiro, no Jornal da Manhã da CBN. Seu bom humor matinal anima as notícias que vão se repetir ao longo de todo o dia durante os vários programas da rádio, nas vozes de outros apresentadores. Mas, desta vez, o que inunda o carro é o som do CD que havia deixado no gatilho, ao chegar em casa. Lembro-me de que estava ouvindo João Donato e seu trio, na edição da série de MPB publicada pela Folha. Muito a propósito, segue a faixa "Café com Pão". Na verdade, gostaria de tê-la postado acima, porém, como não consegui nada no Youtube, vamos com o "Lugar Comum", que é a faixa anterior do mesmo CD. Mas o que temos aqui é uma outra versão. De todo modo, ela conta tudo sobre o que eu queria dizer. É verdade que estamos na segunda quinzena de julho na grande urbe do Hemisfério Sul e a manhã é atípica. Trânsito calmo. Poucos motoqueiros ainda; mães levando filhos em cima da hora para o colégio também não há. Tampouco motoristas estressados. De sorte que em menos de 10 minutos venci os pouco mais de 6 quilômetros entre meu apartamento e a pequena academia do Muro Azul, de Moema. Nesse breve intervalo, posso repassar de novo, no doce teclado de João Donato e na sua voz bamboleante, o quanto tudo poderia ser simples na vida da gente, se tivéssemos competência para não complicar as coisas. Os acordes são suaves e a harmonia do piano com o baixo e a bateria até dão a falsa impressão de que há ordem no Caos paulistano. Fica bem mais fácil desenferrujar as juntas que o frio argentino endureceu durante as férias. Mesmo que o impiedoso professor, em sua cadeira de rodas, me peça um medley progressivo logo no segundo exercício. Agora cai a ficha de que estou de volta à rotina do trabalho e da labuta para impedir que o colesterol tome conta das coronárias. Um homem de 55 anos precisa se cuidar. Mas se cuidar ao som de João Donato, que vai me inundar a cabeça o dia todo, facilita as coisas. Salve João! Ave Donato!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mano e meus sentimentos divididos

Jogadores festejam Mano (Ig/Gazeta Press)

Fui ontem ao Pacaembu ver o jogo Corinthians 3 X 1 Guarani. Fim de tarde e início de noite muito agradáveis na capital paulista, com temperatura pela casa dos 20 / 21 graus. Estádio sempre acolhedor, com a magnética (Jorge Benjor) fluindo tranquilamente para as arquibancadas que, 50 minutos antes do jogo, não dão a impressão de que vão encher. Mas enchem: 27 mil almas, entre pagantes e não pagantes, deixam quase nenhum buraco nas arquibancadas verde, amarela e laranja; o tobogã também enche, mas as fileiras de assentos das numeradas, a R$ 100 cada, sim, mostram bem menos gente. De todo modo, é um Pacaembu a caráter para a despedida de Mano Menezes. No final, com a satisfação da vitória, a emoção toma conta do estádio. O clima de despedida, que já começara quando o time entrou em campo, por volta de 6:15 da noite, atinge o clímax. Ninguém arreda pé, o técnico Mano Menezes, inteligentemente, faz uma discreta volta olímpica. É efusivamente saudado pela torcida e, mesmo quando chega atrás do gol do Tobogã, na boca dos vestiários, tem a sensibilidade de desvencilhar-se da turba de repórteres e ir saudar a torcida que pagou os ingressos mais em conta. Definitivamente, o cara tem a chamada inteligência emocional. Estive entre os que se emocionaram; aplaudi contidamente, mas não revoguei meus sentimentos divididos com relação ao ex-técnico do Corinthians. A estatística mostra que ele é vencedor e alguns cronistas exagerados realçam que "quem dirigiu e ganhou a Batalha dos Aflitos está apto a dirigir a Seleção Brasileira", referindo-se ao jogo final da série B de 2006, quando com apenas 7 jogadores em campo, após 4 expulsões, o Grêmio ganhou por 3 X 2, precisando apenas de um empate contra o Náutico, no Recife. Dois desafios maiores, porém, de final de Libertadores, com o Grêmio em 2007, e de oitavas este ano, com o Corinthians versus Flamengo, ficaram como pedras no sapato de Mano Menezes. E é onde eu penso que ele ainda falha. Alguns chegam ao exagero de dizer que os seus times são retranqueiros. Mas vejo-os mais como excessivamente movidos a volantes. Posso dizer que poucas vezes me encantei de verdade com os jogos do Corinthians, mesmo o time sendo bastante eficiente este ano. A equipe que veio da série B e ganhou a Copa do Brasil em 2009, sim, me encantou. O período em que Ronaldo jogou bem, igualmente. Agora, vi um excesso de experimentos no meio-de-campo. No jogo de ontem, por exemplo, o Corinthians esteve mal escalado com Jucilei como primeiro volante, Elias segundo, e Paulinho terceiro, com intenção de ser meia. Não foi nem uma coisa nem outra. O que se viu foi um competente quadrado de meio-de-campo armado pelo técnico Mancini jogar compacto e ganhar as bolas, acionando o contra-ataque rápido puxado pelo bom meia-ponta Mazola, autor do gol de empate do Bugre. As expulsões de Dentinho, do Corinthians, e de Ailson, do Guarani, foram uma piada, erros clamorosos do juiz. No final, brilhou a estrela do craque emergente, Bruno Cézar, que fez os dois gols da vitória do Timão. Com tudo isso, talvez eu esteja querendo o técnico perfeito. Ele existe? É difícil aparecer um. Depende de haver estabilidade na diretoria do clube, de existirem recursos e inteligência para contratar, de se formar um grupo com bons jogadores e mais um ou outro craque. Depende de tempo para entrosar o time e de vários outros fatores. Mesmo Telê Santana, o melhor dos técnicos brasileiros em minha opinião, tinha suas manias e foi contestado. Assim, vem aí a prova de fogo de Mano Menezes na Seleção Brasileira. Que o seu bom senso e firmeza no trato público, bem como no trato de vestiários e bastidores do clube, levem-no a montar a Seleção como o público deseja ver jogar, segundo disse na coletiva de ontem. Nela, evitou a expressão futebol-arte. Mas há material humano suficiente para isso e é disso que se trata no pós-Dunga. É isso o que queremos, rumo a 2014.

domingo, 25 de julho de 2010

Que segredo tem Larissa?

Larissa e o sortudo Kubrusly

Tudo se encaminha para termos mais uma personagem do mundo midiático com seus 15 minutos de fama, no caso da paraguaia Larissa Riquelme. Hoje de noite ela irá ao Fantástico. Mas já está no Paparazzo da Globo.com. Tudo certo. Mas eu continuo intrigado com o torrencial fenômeno de imagens que desencadeou a jovem paraguaia. Não vejo a explicação apenas na plástica admirável dela. É claro que o celular entre os seios foi uma tirada muito criativa dela ou de seu patrocinador durante a Copa. O acesso àquelas belas imagens da torcedora efusiva, certamente, foi torrencial da parte dos marmanjos. Eu entre eles. Mas mesmo mulheres destilaram uma doce simpatia por ela. Então, cada vez mais, me perguntava por quê. O que me atraiu e continua atraindo em Larissa? Nem depois de meu filho Pedro ter voltado pouco impressionado com ela do Paraguai, onde a filmou na entrevista que a ESPN Brasil fez com Larissa durante a Copa,  eu me convenci. Disse-me ele que na foto ela é melhor do que ao vivo e em cores. Falando, não articula bem; os silicones fartos dão a impressão de vergá-la para frente e é muito magra - Pedro resumiu. É, pode ser. Mas a minha curiosidade continuou. Provavelmente não a assistirei hoje no Fantástico, pois pretendo ir ao Pacaembu ver o jogo do Corinthians. Entretanto, não precisarei disso para desvendar o mistério. Já o fiz. Na foto, tudo se equilibra em Larissa, bem longe da impressão de meu filho, que pode ser apenas fruto do gosto dele. E o equilíbrio dela começa ali onde eu acredito que esteja o segredo. O conjunto harmonioso formado pela boca cinzelada, pelo nariz delgado levemente arrebitado, pelos olhos negros que sugerem uma penumbra de inocência, um suave mistério de mulher que peca sem jamais perder a aura de santa, pela testa generosa, pela pele sedosa e pelo cabelo castanho farto. Tudo é harmonia. Como uma Monalisa, sua fotogenia nos transmite sempre a sensação de um rosto que traz um indelével sorriso, como a nos perguntar: "No veen que soy una niña?" Eis o ponto. Larissa terá 70 anos e, se não se acabar em descaminhos, parecerá sempre uma criança. A inocência parece fluir direto de sua alma para o seu rosto. Pena que agora as revistas de sexo vão virá-la do avesso e matar um pouco essa aura. É a vida como ela é. Buena suerte Larissa!

sábado, 24 de julho de 2010

Marx, Rosa e Eleições 2010

Sei que essas coisas andam fora de moda e eu próprio havia me prometido não falar de política por aqui. Mas o que fazer quando um texto abre fendas em sua cabeça e toca em feridas cicatrizadas, mas nunca totalmente purgadas? O artigo de Hannah Arendt sobre Rosa Luxemburgo em Homens em tempos sombrios (Cia da Letras) me faz voltar os olhos para Marx, marxistas, leninistas e, creiam-me, as eleições de 2010. Salada demais? Talvez, mas o que me chama a atenção no artigo sobre Rosa é o ponto da sua honestidade intelectual. Aprendi ali, tardiamente, mais algumas coisas sobre por que, intuitivamente, fui abandonando o trotskismo e o marxismo dos muitos anos de minha vida. Hannah Arendt relembra a tese fundamental do livro de Rosa sobre o imperialismo (Acumulação do Capital), em que ela questiona o centro da teoria de Marx de que o capitalismo, como um sistema fechado e de acumulação de capital finito, gera sua própria destruição. Rosa achava Marx o melhor entre todos, pela ousadia de suas idéias, mas nunca professou o marxismo, nem a revolução, como fé. Em sua teoria do terceiro homem, diferentemente de Marx, ela via que o capitalismo sempre poderia buscar integrar ao sistema de acumulação grupos, povos e nações vivendo sob formas pré-capitalistas, reproduzindo-se muito além dos limites previstos por Marx. Sua própria teoria, embora ousada, também era falha, mas de todo modo dá mostras da grande flexibilidade de Rosa. Uma flexibilidade que marxistas e, depois, seus filhos mais ilustres, os leninistas de todos os matizes, abominam. Fora do sistema de idéias marxista, Schumpeter deu a chave para entender por que o capitalismo se renova e a acumulação de capital continua: a teoria da destruição criativa, ou, em outras palavras, o papel da inovação na economia de mercado. Inovação para o bem ou para o mal, digo eu, modestamente. Sim, pois o que tivemos na recente crise financeira global senão o produto de uma acumulação de capital fruto da inovação extrema dos derivativos, com os swaps de créditos? Desde que o chip, o software e o algorítimo estejam por aí, não haverá limites para jovens inteligentes e impetuosos inovarem no sistema financeiro, e fora dele também. Fala-se muito na regulação de Obama nos EUA. Ok, bom que seja assim. Mas duvido que vá segurar ou prevenir novas crises no futuro. Virão de outra forma. Mas o que eu queria dizer é que a honestidade de Rosa Luxemburgo e sua fonte moral genuína de socialismo levou-a a se bater, dentro do partido social-democrata alemão (o SPD de hoje), pela idéia de que o partido tivesse um programa republicano (lembremos que antes da 1ª Guerra Mundial a Alemanha era uma monarquia), não necessariamente um “programa máximo socialista” (ainda uma lembrança: a social-democracia alemã tinha um programa mínimo e um programa máximo). Para Rosa, “a salvação era a ‘escola da vida pública, a democracia e a opinião pública mais amplas e mais ilimitadas’”, não o terror que a tudo conspurca e corrompe. Veja-se o que virou a União Soviética e como Rosa, por antecipação, estava certa. É claro que a disjuntiva dos tempos atuais não é democracia x barbárie. E que o Brasil está muito longe de formas autoritárias. O que me incomoda é essa apatia, o vamos-do-jeito-que-está-que-assim-tá-bom. E, por favor, pensar diferente por que, se temos quase uma unanimidade? Mesmo que eu não tenha ilusões quanto a programas, fica difícil escolher entre candidatos que não dizem, verdadeiramente, o que são e o que querem. Esse clima de plebiscito não me soa honesto. Melhor, então, curtir o bom Cartola: “Não vou culpar os amigos fingidos que outrora eu tive na vida/Nem vou dizer que a razão do fracasso se prende a batalhas perdidas.”

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Para mio, tuyo y nuestros corazones



Ainda sob o impacto da minha redescoberta de Mercedes Sosa, yo vengo a ofrecer esto regalo, con ella e Fito Paez. Tocante.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Crepúsculo em Paraty



Maxixe da família (Zé da Velha e Silvério Pontes)

São 6 horas da tarde e o sol teima em não morrer por trás da Serra da Boicana. Da ponta do charmoso cais de madeira da cidade, já vai alta a meio quarto de céu uma lua crescente que dá um tom prateado intenso nas águas da baía. A Leste, uma noitinha leitosa, banhada por uma cálida névoa, atrás da ilha da Bexiga, na direção da Ilha Grande, vai avançando lenta e preguiçosamente. Do lado oposto, a Oeste, o sol já deitou, mas ficam bem fortes ainda os sinais alaranjados de raios solares que teimam em iluminar o horizonte. A temperatura não poderia ser melhor nesses dias de inverno. Sei que o dia foi de muito sol e quase quente, em pleno inverno, mas não o pude aproveitar. Chegamos, vindos pela serra Cunha-Paraty, com a tarde caindo. Ainda deu tempo de pegar as nossas calóis reformadinhas, com todas as marchas agora em seus lugares, respondendo diligentemente aos comandos, e zarparmos para o cais. Sempre fazemos isso, eu e minha mulher. A temperatura beira os 20 graus. É uma sensação tão admirável que a pessoa é quem escolhe o que vai sentir. Pode correr pelo corpo um friozinho, como é o caso de Silvia, ou pode banhar uma quase tepidez de eriçar os pelos, após as boas pedaladas, como é o meu caso. À frente da crepuscular luz que alumia a Boicana, aos contrafortes da qual se abre a pequena planície em que a cidade foi construída no Tempo do Ouro, a cadeia de morros se impõe contra um céu de fim de tarde e nos convida a fazer um decalque mental. A linha do horizonte, banhada pela luz crepuscular, aparece chapada, como se não houvesse três dimensões. Pode-se recortar, mentalmente, o perfil da cadeia de morros e separá-la do céu. Embora a paisagem unitária esteja ali a sua frente, com os barcos de excursão ancorados, em primeiro plano, e o casario da cidade logo atrás, todos os elementos podem ser decupados e reunidos novamente, como numa quebra-cabeça. Barcos, casario, morros e céu. Tudo separado, ou tudo combinado na paisagem una. Para nosso regozijo ainda maior, tardaram em acender a fileira de luzes do cais, de tal forma que a intensidade da luz lunar pode inundar a baía e o brilho de Vênus ficar ainda mais intenso. Apenas alguns minutos depois, olha-se para o céu e um colar de estrelas já é visível. Tempo de ir embora e descobrir coisas. Na boa livraria da cidade, tem sempre algo para nos forçar ao gasto. Acho um CD de Zé da Velha e Silvério Pontes, com o sugestivo nome de "Tudo Dança". E compro também um CD duplo com músicas de Radamés Gnattali, executado pela Orquetra Sinfônica Petrobras, regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky. Junto com os tangos que trouxe, uma ótima combinação para os próximos dias. Choros, maxixes, sambas e tango. Tá ficando bom isso aqui.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Recuerdos de los '70



Chego de Buenos Aires, abro o CD duplo, uma antologia de Astor Piazzola que comprei, ouço "Balada para un loco" e um filme do presente e do passado começa a se desenrolar em minha mente, alternando as imagens. O presente fresco de uma avenida Callao citada no tango e recém descoberta pelo neófito, desde um longo passeio a pé entre o Museo Nacional de Bellas Artes, na avenida del Libertador, bem perto do cemitério da Recoleta, e o hotel onde estive, Ibis Congreso. Algo assim como uns 6 quilômetros em lentas passadas, andando pela majestosa calle Alvear, costeando as belas construções das embaixadas brasileira e francesa. Por trás desta, abre-se o Cerrito, que com suas largas pistas de rolamento entremeadas por generosas calçadas ajardinadas se dirigem até o referencial Obelisco cravado na esquina com a Corrientes. De novo me pergunto por que demorei tanto para ir à capital argentina. Acaso não havia me encantado Piazzola e Amelita Baltar quando os descobri, em 1974, abrindo caminho e exceções entre os meus sempre preferidos Mingus, Monk e Davis? Acaso não éramos todos uns jovens "locos", uns curtindo a impotência diante da fúria sanguinária instalada por Pinochet, depois de tocar a fronteira argentino-chilena em busca de uma insana resistência que nunca haveria de ocorrer; outros curtindo as dores de "homens em tempos sombrios" (sic Hannah Arendt) nos acordes doces e furiosos de Astor? Além da descoberta fresca de Buenos Aires, agora, e das recordações sonoras de meus 19 anos revividas pela visita, é agradável voltar com os celulóides mentais da riqueza daqueles anos, após ver no MALBA, o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, uma bela exposição do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe (1946-1989). É bom também ter podido olhar de perto o Abaporu, da Tarsila Amaral, os prelúdios dos parangolés de Helio Oiticica, os móbiles de Ligia Clark, e, no Museu Bellas Artes, a incrível coleção de quadros de Rembrandt, Goya, Manet, Monet, Gauguin, Sisley, Modigliani, Picasso e belas esculturas de Rodin. Rica é Buenos Aires, bela sua música, forte a sua cultura. Pelas próximas semanas, vou mergulhar na singeleza dos acordes de Piazzola, na bela voz de Mercedes Sosa e no lamento de Gardel. E correr o filme de minhas lembranças. Con mucho gusto.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tão perto, tão longe

Edmundo se surpreende com o Porto Madero

Cinco décadas depois, deu-me de conhecer Buenos Aires. Em férias, vim por cinco dias, aproveitando milhas que expiravam. E eis que tenho uma bela surpresa. A ignorância, talvez até uma pontinha de preconceito, me fez conhecer o mundo antes de parar por essas bandas. Venho de um pedaço do Brasil em que dois rios, o Paranaíba e o Grande, correm em paralelo formando o triângulo de meu vasto estado; mais à frente se juntam no Rio Paraná e aqui desaguam na imensidão do Prata. A cidade tem um forte sotaque Haussmaniano, sem dúvida. As grandes e largas avenidas, como a 9 de Julio, lembram de imediato a amplitude das vias parisienses criadas pelo planejador Georges-Eugène Haussmann na segunda metade do século XIX. Inúmeras construções de teto abobadado também lembram Paris. Um belo conjunto é formado pelo Teatro Colón em face do Palácio da Justiça, onde se situa a Suprema Corte argentina. O povo parece operoso e alegre (ainda não vi o lado sombrio cantado no tango), embora um pouco retraído nesses dias de intenso frio. Não poderia ser diferente. Após quatro anos, voltou a nevar nos arredores de Buenos Aires, na fria madrugada em que o Senado, trabalhando por 14 horas seguidas, aprovou o projeto de lei instituindo o casamento gay, por 33 votos contra 27. Se bem que a igreja católica tentou, na terça-feira (13) à noite, barrar o projeto, com uma imponente manifestação diante do Congresso. Um ato bem maior do que o das organizações de esquerda, na noite seguinte, em apoio ao projeto. Mas se os senadores foram até mais de 1 hora da manhã votando a lei, e a aprovaram, é porque o ânimo das ruas era favorável. "Protestas", por sinal, fazem parte da cena cotidiana bonaerense. Ora são condutores de microonibus parados; ora profissionais da área cinematográfica, incomodados pela importação de serviços, mais em conta, feitos por mão-de-obra uruguaia. Mas também se vê professores em greve. Na TV, cenas comuns de um Brasil sem "protestas" mas com um bocado de violência. Em um dos bairros da Capital, moradores em fúria incendeiam ruas e atacam delegacia de polícia onde um jovem, apenas detido no fim de semana, apareceu enforcado. Sua mãe vocaliza o sentimento materno e o protesto dos moradores: "Queremos que  os responsáveis apareçam, são covardes. Por que se escondem? Queremos Justiça." Além desse cotidiano, ao meu programa turístico importa ir para Caminito, visitar a Bombonera, ver as glórias do Boca. Na parede com fotos de todos os seus times, vemos os brasileiros Rodrigues Neto, meia clássico dos anos 70, o lateral "Baiano" e o atacante Iarley, ambos ainda em atividade no Brasil. Cai a ficha de que estamos mais próximos do que pensamos. Em décadas diferentes, dependendo da "força" da moeda de cada um, hordas de argentinos e de brasileiros se movem de lá para cá e daqui para lá. Agora é a nossa vez com o real forte. Há uma chusma infindável de patrícios por aqui. Com o real a 1 por 2 pesos, tudo fica mais fácil. Mas melhor fariam as elites políticas dos dois lados se buscassem uma maior convergência macro e microeconômica. Uma só moeda no Mercosul, como o Euro, mas sem os equívocos fiscais da União Européia, que estão na base da crise atual, seria uma ótima idéia. Pena que a força centrífuga no Mercosul esteja, no momento, mais forte.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Palpite infeliz


Lição de Anatomia (Rembrandt - 1632)

A Espanha levou o Caneco em 2010 e o apostador deste blog ficou com as calças na mão. Apostou na Alemanha e fez um hedge cravando fichas na Holanda. A Nova Laranja Mecânica resolveu repetir a Alemanha, não jogou nada contra a Fúria e foi cozinhada até o último quarto da partida, na prorrogação, quando levou o golpe de misericórdia desferido por Iniesta. A Holanda queria ter procedido a uma lição de Anatomia, como a do óleo de Rembrandt, de 1632, bateu sem dó diante de um juiz atarantado, mas no final ficou novamente, pela terceira vez, na fila. Três finais de Copa do Mundo, três vices. Para o blogueiro, ficou a lição: futebol não é ciência, não pode ser dissecado com golpes de lógica, apenas. Futebol é competência atlética + psicologia + loteria. Se tem habilidade individual e coordenação tática juntos, vira arte. A Espanha teve um pouco de tudo isso, mas não brilhou como há dois anos, na Copa da Europa, em que também ficou com o título. Agora, contou com o apagão do jovem time de Joachim Löw na semifinal e, antes, nas quartas, com o infortúnio do paraguaio Cardozo, que jogou a bola nas mãos do goleiro Casillas, ao bater uma penalidade já para o fim da partida. De todo modo, mereceu a Espanha, que finalmente entrou para o Clube dos Campeões mundiais. Que venha 2014, no Rio e alhures, porque São Paulo bate cabeça e não sabe sequer se terá estádio para a abertura do torneio. Agora á aguardar. E vamos voltar aos clubes, porque a paixão pela pelota não pode parar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Três motivos para apostar na Holanda

Banquete do Casamento Camponês - 1568

Ainda bem que fiz meu hedge, apostando na Holanda. A Espanha de ontem foi a Espanha campeã da última Eurocopa e a Alemanha, infelizmente, voltou a ser a Alemanha, apenas semifinalista, da derradeira Copa do Mundo. Talvez a falta do jovem atrevido, Müller, tenha prejudicado o time. Talvez a surpresa com sua própria trajetória tenha vergado o time em sua hora H. Ou talvez o técnico Joachim Löw tenha cometido um erro na armação da equipe. Nunca se vai saber. Mas o que se sabe é que a Espanha veio com o apetite necessário. Espanha que soube superar, ao longo da competição, a sua grande carência - ameaçar sem concretizar o gol. De certo modo, repetiu isso no jogo de ontem e a partida só não foi para algo mais arrastado, como uma prorrogação, porque o zagueirão de raça, Puyol, resolveu fazer o que o pessoal da frente não conseguia. Botou a bola no filó com uma cabeçada fulminante, algo parecido com o que Juan fizera no jogo contra o Chile. Parecido por causa da parede que o outro zagueiro espanhol fez, aparando a zaga alemã enquanto Puyol chegava na bola mais vívido que um touro miúra pelas ruas de Pamplona. Será suficiente para ganhar a final? Pintou o campeão? Por mim, continuo acreditando na Holanda. Acho que não deixará escapar o título pela terceira final em que chega. Por três razões: 1) Quem viu a comemoração especialmente de Arjen Robben ao fim do jogo contra o Uruguai, assim como a dos demais jogadores, pode concluir que o escrete laranja acumulou força moral de campeão; 2) Os deuses do futebol parecem ter desenhado o caminho para que o baixinho Wesley Benjamin Sneijder venha a ser o craque do campeonato, além de a Fortuna estar sorrindo mansamente para ele, como se viu nos gols que fez tanto no Brasil como no Uruguai, com chutes desviados em defensores; 3) a Holanda tem um time sólido; pode não ser o velho Carrossel; pode não haver em campo o encanto de Gullit, Reijkard e Van Basten. Ou, em contraste, pode a Nova Laranja Mecânica não ter a fluência da Fúria. Mas uma coisa dá para dizer: time que vai adiante invicto, sem empates, desde o primeiro jogo, tem tudo para terminar a jornada levantando o Caneco. E por pouco que se fale nele, a Holanda tem ainda algo que faltou à Alemanha - tem um senhor líbero chamado Van Bommel, rodado, curtido na própria Espanha e muito equilibrado. Vejam-se as cenas de um Robinho estéril e histérico ante o rosto impassível desta que mais parece uma figura saída de um dos quadros do pintor flamengo Pieter Brueghel.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Vem aí 1974 ao contrário?

Quando Rinus Michel trouxe ao mundo o Carrossel Holandês, em 1974, o mundo ficou assombrado e, por que não?, mais feliz. De bate pronto, pergunte-se a alguém medianamente entendido em futebol sobre que seleção ele vai se lembrar: da Holanda, vice-campeã, ou da Alemanha, campeã. Muito provavelmente, dirá Holanda. Eu, que não sou cronista esportivo ou especialista, apenas um amante do futebol mais do que medianamente informado, que jogou bola e tem um irmão do qual todos nos orgulhamos em casa, quarto-zagueiro clássico do time profissional da cidade (Ituiutaba) aos 15 anos de idade, me lembro bem de Cruyff, Resenbrink, Neeskens e Jonny Rep. Do outro lado, havia um grandíssimo time, com Beckenbauer, Sepp Maier, Breitner, Overath e Müller, mas, pela plasticidade do jogo, ou pelo chocolate que o Brasil levou, acabou ficando na minha mente mais a magia do time holandês do que a eficiência implacável do escrete alemão. Hoje, por uma agradável coincidência refletida em espelho, temos a magia dos jovens nibelungos comandados por Joachim Löw e temos também a Nova Laranja Mecânica. O espírito da Holanda de 74 está agora com a Alemanha, como já esteve com o Brasil de 1982. E é isso que tem encantado no time alemão. Fazia tempo, bastante tempo mesmo, que não tínhamos em Copa do Mundo uma seleção de encher os olhos. Mas o futebol é sempre repleto de poréns. É claro que a Celeste pode botar uma pedra de sal na caminhada do time holandês e chegar ela mesma à grande disputa. Mas parece um tanto evidente que é a Holanda que deve chegar à final. A lógica diz que com a Alemanha, embora a Espanha, como a Itália de 1982, também pode erguer-se como a Fênix. Em vôo, a Fúria já está. Mas, como disse Joachim Löw, terá pela frente um time "com sede de conquistas". Se der o que o jogo jogado em campo, até o momento, aponta, teremos uma final Alemanha X Holanda. E é aqui que a ironia do destino poderá falar mais alto. Pode dar a, hoje, muito eficiente Holanda, como que movida pelo espírito de Helmut Schön, o vencedor técnico alemão de 1974. Se der, só nos restará guardar na retina, como uma doce lembrança, a beleza do toque de bola dos meninos de Munique e Bremen. Do lado holandês, em compensação, já há uma clara indicação de que existe no time um craque diferenciado, daqueles que, se há conjunto, aparece como homem decisivo. Wesley Sneijder está para a Holanda assim como Lothar Matthäus esteve para a Alemanha campeã de 90, Zinedine Zidane, para a França de 98, Diego Maradona, para a Argentina de 86 e Romário, para o Brasil de 94. Torço pela Alemanha, mas me arriscaria, na Casa de Apostas, a botar fichas na Holanda. Só para fazer um hedge contra os Deuses caprichosos do futebol.

sábado, 3 de julho de 2010

Danken Deutschland!


O espetáculo está salvo, o futebol está vivo! Esta foi a mensagem fundamental do jogo entre Alemanha e Argentina. Depois de uma sexta-feira sofrida para nós brasileiros, os alemães vieram para resgatar a magia do futebol. Dos esportes, o futebol é aquele que melhor retrata a vida. É uma fusão perfeita entre coletivo e individualidades, temperada por decisivos fatores psicológicos. No futebol, nem sempre ganha o melhor. Mas no mais das vezes, sim, o melhor ganha. E acaba de acontecer com o maravilhoso chocolate de 4 X 0 na Argentina. E o que é o melhor? É uma combinação de coisas que dão a tempestade perfeita. Começa com o que se pode, vagamente, chamar de cultura futebolística vencedora. Poucos a têm. Como a Alemanha, o Brasil e a Itália. Os demais tentam ter, mesmo a Argentina. Depois, vem o aparecimento de uma geração capaz de honrar a cultura futebolística. Acasos, como foi a contusão de Michael Ballack, e outras contusões na preparação da Alemanha, acabaram contribuindo para deixar emergir por completo a jovem geração de Khedira, Mueller e Özil. Em seguida, é preciso ter um grande técnico, como parece ser este incrível Joachim Löw. Estudioso, calmo, sensível ao novo - tudo, enfim, muito parecido com o Dunga. Löw deu à Alemanha um conjunto, um padrão de jogo e uma volúpia que ele bem definiu na coletiva de imprensa depois do jogo: "nós viemos para este jogo para ganhar... não me surpreendi com a Argentina, sabíamos como viriam com Messi no meio-de-campo, bloqueamos suas jogadas sem fazer faltas, e nossos jogadores, Schweinsteiger, Özil, Mueller, encontraram caminhos no campo que desnortearam os argentinos" Além do bom técnico, vem o time de qualidade. Forma-se o conjunto na lida, no embate com os adversários. Assim, a Alemanha que sairá da África do Sul será um time curtido. Por fim, é preciso que o time tenha um líder. Phillip Lahm é o cara. Além de experiente da outra copa, é muito bom de bola. Não se pode garantir que a Alemanha será campeã. Até porque o peru não morre de véspera. Jogo de futebol só termina quando acaba. Que dirá campeonatos. Mas, enfim, a Alemanha apurou um conjunto muito equilibrado. Bom goleiro, defesa sólida, meio-de-campo leve e criativo e atacantes, Podolski e Klose, iluminados. Com tudo isso, o craque, ou craques, pode aparecer. E faz um bom tempo que esse fantástico Schweinsteiger tem jogado uma bola muito rendoda. Claro candidato a melhor da Copa. Seu mais sério concorrente é o baixinho holandês Sneijder. Agora, tudo se encaminha para mais uma final Alemanha X Holanda. Será a chance de, finalmente, a Laranja Mecânica chegar ao clube dos grandes. Mas lhe surgiu um terrível nibelungo pela frente. O futebol agradece!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

De Deuses e Demônios


Em 1982, a minha decepção, e a de todos os brasileiros que amam o futebol bem jogado, era profunda, doída, do fundo da alma. Quando Paolo Rossi fez o terceiro gol italiano e fechou o caixão da segunda melhor seleção brasileira de todos os tempos, os Deuses do futebol resolveram punir o grande Telê Santana e sua fantástica troupe de artistas da bola de uma forma que até hoje não se entende. Estupor igual ou maior só fora sentido no Maracanã em 1950, na final com o Uruguai. Verdadeiramente, quiseram os Deuses do futebol que Toninho Cerezo errasse aquela cruzada de bola na intermediária brasileira, presenteando o dadivoso Rossi. Agora, 28 anos depois, talvez pelo amadurecimento de um homem de 55 anos, estive longe, muito longe dos humores condoídos de 1982. Esperava que a qualquer momento a Fortuna castigasse o futebol brasileiro. Sim, porque foi um castigo perfeito. Depois de um primeiro tempo animador e de qualidade, com 1 X 0 no placar do estádio de Porto Elizabeth, vimos um time em parafuso no segundo tempo, com os nervos à flor da pele, ante um adversário que soube sair das cordas e, lenta e cruelmente como um garrote vil, sufocar o meio de campo e esmigalhar a defesa do escrete nacional. Os demônios dos erros de Dunga resolveram entrar todos em campo ao mesmo tempo, por 45 minutos impiedosos. Não culpo o pobre do Felipe Melo e seus nervos em pandarecos. O lançamento que ele fez para Robinho marcar o gol é coisa de quem sabe jogar futebol, e bem. Crucificá-lo seria fazer o mesmo que foi feito com Roberto Carlos e seu famoso meião na Copa de 2006, na Alemanha. O comentarista Casagrande fez o melhor comentário na TV Globo, ao dizer que o futebol é para ser jogado com felicidade, com prazer de fazer a coisa bem feita e com encanto. É claro que o futebol mudou muito e que os fatores eficiência, foco, organização e preparo físico formam um conjunto fundamental. Mas em qualquer circunstância a leveza tem de estar presente. Em 2006, tivemos a leviandade. Em 2010, faltou encanto, faltou felicidade nesta seleção. Foram todos preparados para um Coliseum, como um grupo de centuriões. Dunga, dizem, andou lendo Maquiavel. Morou em Florença, jogou na Fiorentina, mas parece que só leu um lado do nosso inesgotável Niccoló. Leu o Príncipe com alumbramento. Mas se esqueceu que o bom renascentista era, essencialmente, um intelectual de várias feições. Se tivesse lido os Discuros sobre a primeira década de Tito Lívio teria visto também a elegia da República. Mas flexibilidade, jogo de cintura,parece não ser o forte de nosso capitão de 94. Não vamos massacrá-lo também. Acima dele tem o Ricardo Teixeira e muitas, muitas outras injunções que nos ditam o futebol como questão de vida ou morte da brasilidade. Mas a brasilidade, de todo modo, já está pulsando aqui bem viva, nos pés de Ganso, na explosão irreverente de Neymar, na magia do esquecido Ronaldinho Gaúcho, que, se tiver dois dedos de vontade, poderá nos ajudar a ganhar o Caneco aqui em 2014. Este, tenho certeza, ganharemos. O pêndulo, que foi muito para um lado em 2006 e oscilou demais para o outro em 2010, voltará para o centro em 2014. Com bom técnico e organização, é só deixar que em campo a magia de nossos craques faça o serviço.
P.S: Não tinha visto a entrevista do Felipe Melo depois do jogo. Impressionante. Nenhuma lágrima, arrependimento da boca para fora. Sentimento zero. Uma coisa meio psicopata. Esse rapaz deve ser banido da seleção para sempre. (3/7)