sexta-feira, 2 de julho de 2010

De Deuses e Demônios


Em 1982, a minha decepção, e a de todos os brasileiros que amam o futebol bem jogado, era profunda, doída, do fundo da alma. Quando Paolo Rossi fez o terceiro gol italiano e fechou o caixão da segunda melhor seleção brasileira de todos os tempos, os Deuses do futebol resolveram punir o grande Telê Santana e sua fantástica troupe de artistas da bola de uma forma que até hoje não se entende. Estupor igual ou maior só fora sentido no Maracanã em 1950, na final com o Uruguai. Verdadeiramente, quiseram os Deuses do futebol que Toninho Cerezo errasse aquela cruzada de bola na intermediária brasileira, presenteando o dadivoso Rossi. Agora, 28 anos depois, talvez pelo amadurecimento de um homem de 55 anos, estive longe, muito longe dos humores condoídos de 1982. Esperava que a qualquer momento a Fortuna castigasse o futebol brasileiro. Sim, porque foi um castigo perfeito. Depois de um primeiro tempo animador e de qualidade, com 1 X 0 no placar do estádio de Porto Elizabeth, vimos um time em parafuso no segundo tempo, com os nervos à flor da pele, ante um adversário que soube sair das cordas e, lenta e cruelmente como um garrote vil, sufocar o meio de campo e esmigalhar a defesa do escrete nacional. Os demônios dos erros de Dunga resolveram entrar todos em campo ao mesmo tempo, por 45 minutos impiedosos. Não culpo o pobre do Felipe Melo e seus nervos em pandarecos. O lançamento que ele fez para Robinho marcar o gol é coisa de quem sabe jogar futebol, e bem. Crucificá-lo seria fazer o mesmo que foi feito com Roberto Carlos e seu famoso meião na Copa de 2006, na Alemanha. O comentarista Casagrande fez o melhor comentário na TV Globo, ao dizer que o futebol é para ser jogado com felicidade, com prazer de fazer a coisa bem feita e com encanto. É claro que o futebol mudou muito e que os fatores eficiência, foco, organização e preparo físico formam um conjunto fundamental. Mas em qualquer circunstância a leveza tem de estar presente. Em 2006, tivemos a leviandade. Em 2010, faltou encanto, faltou felicidade nesta seleção. Foram todos preparados para um Coliseum, como um grupo de centuriões. Dunga, dizem, andou lendo Maquiavel. Morou em Florença, jogou na Fiorentina, mas parece que só leu um lado do nosso inesgotável Niccoló. Leu o Príncipe com alumbramento. Mas se esqueceu que o bom renascentista era, essencialmente, um intelectual de várias feições. Se tivesse lido os Discuros sobre a primeira década de Tito Lívio teria visto também a elegia da República. Mas flexibilidade, jogo de cintura,parece não ser o forte de nosso capitão de 94. Não vamos massacrá-lo também. Acima dele tem o Ricardo Teixeira e muitas, muitas outras injunções que nos ditam o futebol como questão de vida ou morte da brasilidade. Mas a brasilidade, de todo modo, já está pulsando aqui bem viva, nos pés de Ganso, na explosão irreverente de Neymar, na magia do esquecido Ronaldinho Gaúcho, que, se tiver dois dedos de vontade, poderá nos ajudar a ganhar o Caneco aqui em 2014. Este, tenho certeza, ganharemos. O pêndulo, que foi muito para um lado em 2006 e oscilou demais para o outro em 2010, voltará para o centro em 2014. Com bom técnico e organização, é só deixar que em campo a magia de nossos craques faça o serviço.
P.S: Não tinha visto a entrevista do Felipe Melo depois do jogo. Impressionante. Nenhuma lágrima, arrependimento da boca para fora. Sentimento zero. Uma coisa meio psicopata. Esse rapaz deve ser banido da seleção para sempre. (3/7)

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